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Divertido, 'Jungle Cruise' traz um Jack Sparrow com filtro | 2021

NOTA 7.0

Igual 'Piratas do Caribe', só que diferente; em essência, um feijão com arroz seguindo a receita

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Por mais inadequada (e talvez até covarde) que possa parecer a comparação entre a nova aposta da Disney, 'Jungle Cruise', com a já estabelecida (e gasta) franquia 'Piratas do Caribe' (também da Disney), deve-se convir que essas comparações são provocadas pelo próprio estúdio, mesmo que inconscientemente - até porque ambos os títulos são baseados em atrações temáticas dos parques do Mickey. Puxando da memória uma breve recapitulação da saga de Jack Sparrow, me lembro de uma embarcação cujo capitão é um vigarista cheio de dívidas, uma donzela encrencada que pegou algo que não a pertencia e passa a ser perseguida por isso, uma conspiração militar com alguém de alta patente que quer usar forças místicas para vencer uma guerra, maldições do passado que voltam a assombrar como assuntos inacabados, criaturas meio formadas que são combinações humanóides entre indivíduos que "morreram" há muito tempo e a ecologia do ambiente onde a história se passa, e a exploração de mitos casados com lugares reais como base para constituir a trama. Essa descrição de 'Piratas do Caribe' se encaixa perfeitamente com a sinopse de 'Jungle Cruise', e até mesmo a ideia de emplacar uma franquia a partir daqui é bem similar aos filmes dos piratas. Os elementos que compõem ambas as obras são muito parecidos, e por isso é difícil não lembrar do velho ao ver o novo. As antigas tramoias e reviravoltas de traições estão aqui, mas com um caráter de maior apelo à nobreza e ao atual politicamente correto. Temos um herói na carcaça de uma fraude, e não o contrário.


'Jungle Cruise' é, em poucas palavras, um delicioso prato requentado com alguns temperos diferentes, adicionados a fim de dar um sabor mais agridoce e agradar a todos os paladares. É cafona, mas é fofo; é complexo, mas extremamente simples; e é um ótimo entretenimento mesmo sem inovar em absolutamente nada. Um destaque que contrasta com 'PdC' e que dá o tom diferente da produção é o seu engajamento nas pautas atuais, de uma relevância didática e descontraída, dessas que passa a mensagem sem parecer que está dando um sermão; um ótimo exemplo disso, que também é um ponto altíssimo da produção, é que a donzela aqui (chamada Lily Houghton) não é indefesa e nem precisa ser salva por alguém - ela se basta por si só, e esse espírito independente é brilhantemente evocado na interpretação vivaz de Emily Blunt. Temos um personagem assumidamente gay com muito destaque e relevância (McGregor, irmão de Lily, interpretado por Jack Whitehall), que não se limita a mero alívio cômico ou escapismos típicos de coadjuvante, tendo aqui cenas onde brilha tanto em combate quanto em intelecto (mesmo parecendo um pouco forçado ao extravagante às vezes, como em uma cena onde insiste em levar várias malas cheias de utensílios inúteis para uma expedição no meio do mato). E temos Dwayne Johnson, que por mais carismático que seja ainda não consegue se desvencilhar do excesso de exposição que sua figura sofre em tantos papéis parecidos. Sua imagem gasta dá a impressão de que o personagem que interpreta aqui, Frank, é só mais uma repetição do estereótipo de brutamontes simpático, de fera amigável, o fortão com um coração bom já visto em uma dúzia de seus filmes anteriores. Isso não significa que ele esteja ruim no filme, apenas quer dizer que é complicado para o público se esquivar da memória de alguns papéis passados e comprar a originalidade do personagem em questão logo de cara. Contudo, Johnson é um ator esforçado e cria modismos que tornam a distinção entre Frank e seus demais brutamontes anteriores mais palpável e, aos poucos, cria-se um trejeito próprio e diferente dos tantos outros parecidos. Felizmente, Dwayne Johnson não tem a mesma limitação que Octavia Spencer e consegue construir um personagem que é caricato, imponente e sensível, tudo ao mesmo tempo.

Contudo, olhando para o filme como um todo, é inevitável pensar que ele não pareça um genérico de 'Piratas do Caribe', onde uma causa nobre se sobrepõe aos interesses pessoais dos protagonistas e as pessoas estão em um caminho de virtudes em vez de predições. A trilha de James Newton Howard é ótima para perpetuar esse ímpeto aventuresco de fantasia "do bem", mas se limita ao filme e é esquecível logo após a sessão. Falta a 'Jungle Cruise' o ofensivo e o transgressor que 'Piratas do Caribe' tanto esbanjava quando se consolidou. O Cruzeiro da Selva é certinho em caráter até quando é corrompido pelo erro, fazendo seus personagens serem bonzinhos até quando são maus. Em suma, é como se as enganações tivessem uma gravidade rasa e amigável, levando os corajosos aventureiros do rio Amazonas a serem personalidades fortes em alguns aspectos e desproporcionalmente ingênuos em outros - e isso vale, principalmente, para o vilão interpretado por Jesse Plemons. Por fim, entre "golpes que estão aí e cai quem quer" (pérolas da dublagem brasileira) e algumas falhas na visão sobre o Brasil pelo olhar de Hollywood no estudo regional de onde a história se passa (erros dos produtores da Disney e não do excelente diretor Jaume Collet-Serra - sim, estou passando pano para ele), 'Jungle Cruise' é divertido para um domingo em família e esquecível durante a semana - contudo, vale o passeio oferecido e é prático para a digestão.


Vale Ver!



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