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“O Labirinto”: thriller psicológico coloca dois veteranos no rastro de um sequestrador de mulheres | 2021

NOTA 6.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

Há milênios que a imagem do labirinto intriga o ser humano. Visto como um grande desafio na mitologia da Antiguidade Clássica, o labirinto do Minotauro, por exemplo, já aparecia como uma construção elaborada, realizada pelo arquiteto Dédalo e seu filho Ícaro, onde muitos heróis sequer chegavam a ficar diante da fera, já que sucumbiam antes mesmo de encontrá-la. Assim, ao longo dos tempos, esse conceito foi se tornando sinônimo de estruturas narrativas pautadas por jogos intelectuais, vindo sempre à tona quando nos deparamos com jornadas intrincadas que exigem astúcia tanto dos personagens quanto dos espectadores. Por isso, não causa qualquer surpresa que muitas obras, ao se venderem como propostas inteligentes, ainda se valham dessa representação.

Adaptação do livro escrito pelo diretor Donato Carrisi, que por sua vez foi inspirado em trechos da “Divina Comédia” de Dante Alighieri, a produção italiana “O Labirinto” apresenta-se como um thriller psicológico com toques de terror que vai colocar frente a frente Dustin Hoffman e Toni Servillo, dupla de atores de inegável talento e que por si só já despertaria a curiosidade do público. Na trama, Hoffman vive o Dr. Green, um médico psicanalista que busca desvendar a mente de Samantha (Valentina Bellè), uma mulher que passou quinze anos encarcerada por um maníaco e que pode guardar em suas memórias informações que ajudem a capturá-lo. Enquanto isso, vemos o detetive particular Bruno Genko (Servillo) indo à caça do sádico responsável pelo sequestro da moça antes que surja outra vítima, ou que a doença terminal com a qual foi diagnosticado o mate.

Expediente muito usado para atrair a atenção de plateias mundo afora, a promessa de duelos de interpretação entre grandes atores é outro chamariz explorado pelo projeto. O leitor na faixa dos quarenta anos deve se lembrar da enorme expectativa gerada em torno do embate entre Al Pacino e Robert De Niro em “Fogo contra Fogo”, haja visto que em “O Poderoso Chefão – Parte II” eles não se cruzavam devido ao fato de pertencerem a núcleos temporais distintos. E, embora os astros contracenem pouco ao longo das três horas do majestoso policial de Michael Mann, afirmar que cada segundo de espera não tenha valido a pena beira a heresia. Em certa medida, é possível comparar o caso de Hoffman e Servillo com este de Pacino e De Niro não só por também estarmos falando de outros dois atores excepcionais, renomados em seus respectivos países, mas, principalmente, porque no filme em questão ambos trafegam em linhas paralelas das quais esperamos ansiosamente uma convergência. No entanto, diferente do que ocorre em “Fogo contra Fogo”, toda a preparação para esse momento configura-se extremamente arrastada e cansativa.   

O grande problema de “O Labirinto” talvez resida – se pensarmos no fato de Carissi ser um escritor – na paradoxal incongruência entre a identidade visual bem demarcada e uma sentida inabilidade do roteiro em criar progressão em um ritmo que faça crescer em nós um sentimento de perigo e urgência. Carissi parece preocupado demais em enfeitar sua narrativa com referências a obras como “O Silêncio dos Inocentes”, “Seven” e “Jogos Mortais” (“A regra número um para um grande autor é copiar”, já dizia o professor de literatura presente em seu “A Garota na Névoa”) e em dar uma suposta profundidade psicológica aos protagonistas a ponto de se esquecer de criar a organicidade necessária para que o espectador simplesmente queira comprar a história e se sinta disposto a solucionar o mistério junto com eles. Fora isso, acreditando que esteja cumprindo esse objetivo, a trama vai enfileirando uma série de figuras criadas apenas para soarem como “estranhas” e para que despejem ao menor estímulo, sem qualquer sedimentação na forma de diálogo, exatamente aquilo que o detetive precisa saber para seguir adiante.  

Mais eficiente quando abandona o flerte com a estética do giallo e do softcore – observe toda a caracterização do apartamento da prostituta – para apostar, através do uso sem qualquer disfarce do CGI, num clima que evoca o que há de mais soturno nos contos infantis de Lewis Carroll e dos Irmãos Grimm, o diretor quase planta em nós uma instigante dúvida acerca da natureza (sobrenatural?) do criminoso. Contudo, “O Labirinto” perde-se em si mesmo, subaproveitando ideias bastante promissoras como a do departamento de pessoas desaparecidas, oportunamente chamado de Limbo, ou até mesmo a concepção visual do psicopata.

Não fazendo jus à engenhosidade de Dédalo, o grande arquiteto da mitologia, Donato Carissi constrói uma estrutura frágil, embora bem ornamentada, que nem a presença de dois titãs – cujo encontro provoca mais raiva do que encanto - é o suficiente para impedir que suas paredes venham abaixo, oferecendo de bandeja a já esperada saída logo nos primeiros corredores. Demonstrando ainda não possuir o desprendimento necessário para limpar o que não funciona na transposição dos próprios livros para as páginas dos roteiros que escreve, o autor italiano, na ânsia de explodir nossas cabeças com uma história complexa e de final surpreendente, entrega apenas um rocambole cuja receita possui ingredientes que até aguçam o nosso paladar, mas que, quando servido, deixa evidente o quanto a massa carece de liga e o recheio de sabor.  


Vale Ver Mas Nem Tanto! 



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