'A Casa Sombria': Terror psicológico navega do luto ao temor ao sobrenatural | 2021
NOTA 8.0
A dor da indefinição e a descoberta de segredos em meio a um filme de fantasma que exige a sua atenção
Por Vinícius Martins @cinemarcante
'A Casa Sombria', novo filme estrelado por Rebecca Hall, não é para todos os públicos; digo isso porque pude notar, ao fim da sessão, algumas pessoas se queixando do final inconclusivo e dos poucos jump-scares (aqueles sustos ocasionais) no decorrer das suas quase duas horas de duração. Assumo que, em uma primeira análise, também me senti frustrado - não com a ausência dos sustos, mas sim pelo arco aberto. E então, agora escrevendo, consigo perceber que o filme não se ocupa em dar respostas prontas ou doutrinárias quanto ao tema da possibilidade de vida após a morte, não; ele se empenha em fazer as perguntas certas (pertinentes à sua protagonista, no caso) e deixá-las no ar. Embora algumas sequências lembrem o discurso de 'O Homem Invisível' (2020), com seu viés que buscava usar o gênero para dialogar sobre relacionamentos abusivos, deve-se notar que aqui o que importa é o vislumbre da imprevisibilidade que a vida oferece (e o roteiro também), além da dissecação do passado enquanto o luto se faz presente.
O filme é construído com maestria, em uma precisão cirúrgica de tensão e dúvida enquanto explora as faces do luto e as tentativas de manter algum padrão de normalidade quando tudo ao redor outrora familiar se torna diferente e, por consequência, ameaçador. A entrega de Hall no papel é evidente, confirmando mais uma vez o talento da atriz que, infelizmente, ainda é subestimada por uma parcela grande da indústria. Seus olhos estão sempre úmidos, lacrimejantes, como se estivesse prestes a chorar e, ao mesmo tempo, se esforçasse para não deixar isso transparecer. Poucas atrizes - e atores - conseguem convencer em papéis assim, e Rebecca Hall entrega aqui uma atuação que, em minha humilde opinião, se equipara à de Toni Collette em 'Hereditário' (2018). Claro, são linhas de terror diferentes que exigem atuações bem distintas, mas a comparação se vale pelas camadas que Hall dá à sua personagem enquanto seu passado e as circunstâncias de seu luto nos são reveladas aos poucos, sem pressa ou ansiedade - o que, em reflexo, gera a ansiedade do público e aumenta a dúvida sobre a veracidade dos episódios bizarros que vão acontecendo com o desenrolar da trama.
Contudo, apesar de ser divulgado como um terror, essa obra em especial se distingue pela contemplação melancólica da própria finitude e das inconstâncias da vida, que pode virar de cabeça para baixo de uma hora para a outra. Em uma linha quase filosófica (e com o risco de não se fazer entender, até porque a conclusão não explica todos os elementos de forma mastigadinha como vemos de costume em filmes assim), o filme brinca com a percepção de sua protagonista fazendo um jogo de espelhos que, com o perdão do trocadilho, a levam a refletir. A narrativa consegue se construir como uma casa espelhada, daquelas dos parques de diversões em que é difícil encontrar a saída e o indivíduo se vê em todos os lados; mas essa construção não é visual, isto é, literal e física. O filme inteiro é uma casa espelhada, e propositalmente coloca elementos para criar nossa confusão e impedir uma conclusão coesa sobre o que de fato está acontecendo. Até mesmo na revelação sobre o suposto fantasma gera dúvidas e deixa mais interrogações do que esclarecimentos, mas por incrível que pareça isso é muito bom.
Duas coisas podem acontecer com 'A Casa Sombria': ou ele será cultuado no futuro, por sua proposta arrojada além do seu tempo e sua bela execução, ou será mais um filme que poucos entendem e que cairá no esquecimento de quase todas as pessoas - inclusive essa aqui que vos escreve. Essa questão, assim como algumas outras sobre a vida e a morte, só o tempo poderá nos responder.
Vale Ver!
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