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'A Última Floresta': uma história de cobiça, resistência e fúria| 2021

NOTA 8.0

“Eu sou a própria floresta.”

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme 

Logo na abertura de “A Última Floresta” temos um plano aéreo que nos faz passear pela imensidão da mata até que surge aos pés de um enorme rochedo, cravado no verde amazônico, o local onde habita a tribo Yanomami que será o objeto de observação do documentário de Luiz Bolognesi.

O longa, premiado na Mostra Panorama no último Festival de Berlim, mostra a rotina dos integrantes da tribo em sua luta diária para afastar invasores e manter suas tradições vivas. Nos primeiros minutos, a câmera de Bolognesi integra-se ao dia a dia daquelas pessoas de maneira incrivelmente orgânica, tendo a figura do xamã Davi Kopenawa não só como um pilar de resistência daquele modo de vida, como também o fio condutor da narrativa que se desenha entre a exposição de uma realidade alarmante e a encenação de uma mitologia ancestral que tem muito a ensinar.


Mostrando-se preocupado em “conhecer o passado para proteger o futuro” desde que nos apresentou em 2013 a bela animação “Uma História de Amor e Fúria”, Bolognesi extrapola a mera observação para compor não apenas um filme sobre os Yanomami, mas, sobretudo com eles, fazendo questão de evidenciar a importância de uma lógica colaborativa para a manutenção de um dos nossos maiores patrimônios.  Não à toa o roteiro do projeto conta com a participação do próprio Davi Kopenawa, figura imponente que reverbera a obstinação de um povo diante de inúmeras ameaças e que, desde uma nova invasão ocorrida em 1986, defende-se como pode das investidas de mineradores, madeireiros e de agentes do agronegócio.

Porém, com o avançar da rodagem, surge um ponto de incômodo em “A Última Floresta” no que tange à coesão entre a proposta e a estratégia narrativa. Afinal, não deixa de causar estranheza a percepção de um mesmo caráter “encenado” em momentos em que indígenas surpreendem garimpeiros e os expulsam de suas terras e aqueles em que são recriados os mitos de formação daquela tribo, quando os “atores” encontram-se vestidos com shorts enquanto representam um tempo imemorial.  Articulam-se dentro dessa mesma contraposição trechos como o que expõe um ritual xamânico no qual Bolognesi não evita a nudez de um idoso ou quando presenciamos o diálogo entre Davi e um membro que parece ceder aos assédios dos homens brancos, revelando-se atraído pela cidade. À semelhança do que ocorre em “Ex- Pajé” (2018), obra anterior do realizador que também aborda o processo de destruição da cultura indígena brasileira, fica a sensação de uma interferência demasiada do homem branco com a câmera em detrimento de um registro mais natural e genuíno, algo que, além de paradoxal diante do tema tratado, soa mais como uma concessão a um recurso que se tornou moda em docs mais recentes que visam ao esvanecimento das fronteiras entre o real e o ficcional para atingir uma linguagem dita “moderna”.

Apesar disso, nestes tempos sombrios em que a votação da absurda tese do marco temporal ganha força, “A Última Floresta” surge como um relato necessário sobre as condições extremamente desfavoráveis pelas quais passam nossos povos originários. Massacrados de diversas formas desde a invasão portuguesa, eles viram a cobiça destruir a natureza outrora abundante para satisfazer uma lógica predatória que hoje os coloca em risco real de desaparecimento : “O que eu vou fazer com dinheiro?”, pergunta-se Davi, homem dono de uma sabedoria mais valiosa do que qualquer metal. 

E, se analisarmos outros momentos em que Bolognesi abre espaço para as flechadas verbais do líder Yanomami, tais como “A espingarda não alimenta.”, fica bem fácil perceber, seja em Harvard ou em qualquer cinema, onde está o líder brasileiro com a mentalidade que podemos realmente chamar de primitiva. 


Vale Ver!



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