'Noite de Reis' : crítica social e lirismo no cinema de Philippe Lacôte | 2020
NOTA 8.0
Por Rogério Machado
Essa é a história de um garoto cujo melhor amigo se tornou rei. São as lembranças desse passado recente que vão fazer com que esse menino perpetue sua vida em um lugar inóspito, à margem da sociedade, mas que se estabelecia como um organismo que tinha funcionamento próprio, numa hierarquia onde cada um tinha sua função no corpo. As lembranças da juventude, somados à alguns traços de fantasia é que dão ritmo e cor ao conto de Roman (como o nomearam no novo 'reino'), porém a trama vai muito além das histórias desse menino contadas aos encarcerados naquele lugar.
Em 'Noite de Reis', destaque no último Festival do Rio no Telecine, um jovem rapaz (Bakary Koné) é mandado para "La Maca", uma prisão no meio de uma floresta na Costa do Marfim que é comandada (muito familiar aos brasileiros não?) por seus prisioneiros. Com a lua vermelha prestes a surgir, ele é designado pelo chefe para ser o novo "Roman" - num ritual de 'passagem de coroa' em função do atual líder estar doente e incapaz de comandar - tendo que contar uma história até o amanhecer para que ele tenha sua vida preservada no cárcere.
O filme do cineasta Costa-Marfinense Philippe Lacôte, é apenas seu segundo trabalho ficcional (anteriormente dirigiu alguns curtas e documentários) mas já alcança status de grandes diretores com esse trabalho que marca o cinema feito em seu continente e ao mesmo tempo insere fantasia e lirismo à um dura realidade. Tendo sido indicado como o representante da Costa do Marfim ao Oscar o longa chamou holofotes para si, e essa vitrine é validada por um cinema moderno, inclusivo e cheio de referências.
Falando em referências, o cinema de Fernando Meirelles e Kátia Lund se faz presente não só em imagem (quando uma galinha é perseguida nos corredores da prisão - emulando a famosa sequência) como em citação, quando uma das falas de 'Cidade de Deus' (2002) é lembrada entre os detentos na história contada pelo novo 'Roman' e alguém diz: 'Já vi esse filme!'
Lacôte é incisivo na mensagem que se propõe passar ao público, e é louvável a construção dramática dessa narrativa: é interessante notar como a violência (ou a incitação dela) conjuga harmonicamente com o lúdico. Entre tantos traços de propriedade criativa do longa e detalhes tão sutis e ricos ao mesmo tempo, está a linguagem teatral alcançada através das lentes do cineasta. 'Noite de Reis' não será um trabalho que alcançará as massas, mas para quem se aventurar terá a oportunidade de ver como o cinema daquele país se vê, e sobretudo, como valoriza sua própria história, além claro de sua própria arte.
Vale Ver!
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