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'Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis' é uma belíssima carta de devoção ao folclore chinês | 202

NOTA 8.5

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

O mercado asiático é um sítio muito lucrativo para a indústria do cinema, principalmente o território chinês. Vários filmes ocidentais usaram as belas paisagens do interior continental e luzes de néon de Hong Kong nos últimos anos para "colocar" a china no cenário cinematográfico popular e aumentar a arrecadação das bilheterias por lá, e isso acabou gerando uma tendência apelativa à contextualização gratuita e/ou forçada da cultura chinesa para filmes onde, na maioria das vezes, tais personagens ficam deslocados da trama e parecem estar ali apenas cumprindo um papel de representatividade ao invés de serem de fato narrativamente úteis. Contudo, algumas obras conseguem capturar a essência do povo chinês e da vasta riqueza cultural que permeia o berço das artes marciais, evidenciando o gigantismo da variedade de boas histórias que as lendas exóticas têm a oferecer. A DreamWorks fez a excelente trilogia 'Kung Fu Panda', a Disney fez o surpreendente 'Raya e o Último Dragão', e a Marvel segue a linha de valorização e real respeito à cultura oriental com 'Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis', que é uma das obras mais esteticamente belas e impecáveis do ano.

É extremamente raro, principalmente dentro dos filmes de ação super-herói, ver sequências de luta nítidas e acrobacias elegantes, com coreografias bem ensaiadas e concebidas com maestria. 'Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis' mostrou ser um ponto fora da curva, apostando na redução dos números de cortes de cena enquanto a ação se desenvolve e dando ao público a noção do impacto de cada golpe proferido pelos combatentes. O excelente trabalho de fotografia, inclusive, torna algumas tomadas algo digno de molduras, onde os frames se mostram pinturas coloridas e vivas que enchem a tela com uma intensidade pulsante. E inclusive a fotografia é, de certo modo, um personagem da trama. Ela coloca o público na confortável posição de espectadores e o tira para dançar enquanto as belas cenas de confronto evoluem de acordo com as carências do roteiro.

Dentro do MCU, onde os Dez Anéis são citados desde o primeiro filme do Homem de Ferro (lançado lá no longínquo 2008), há o resgate de personagens secundários ou esquecidos que, curiosamente, acrescentam à trama e corrigem erros passados da franquia. A mitologia do MCU como um todo é ampliada e enriquecida com a jornada de Shang-Chi, e isso se faz sem a necessidade de uma fidelidade crua às histórias em quadrinhos. Os anéis aqui, por exemplo, não são anéis de fato. Nas HQs cada anel possui um poder específico, e aqui o que o Mandarim usa são argolas que liberam rajadas de energia e são utensílios que, de certo modo, não justificam alguns "superpoderes" do seu portador. O filme não está livre da queda em algumas de suas próprias armadilhas, mas a jornada é sem dúvida uma das mais belas feitas pelo estúdio. Os trabalhos de design de produção são de cair o queixo, e o figurino é um espetáculo à parte.

Acenando para o futuro e estudando o passado, 'Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis'  provou ser muito mais do que apenas uma estratégia comercial; o filme tem conteúdo, tem elenco condizente e tem identidade própria, mesmo reciclando ideias e conceitos um tanto quanto gastos em outros filmes de sucesso do gênero. Simu Liu é um poço de carisma em tela, e tem potencial para protagonizar o futuro do MCU com segurança. Awkwafina é uma caricatura ambulante, e é inevitável olhar para ela sem lembrar de sua personagem em 'Raya e o Último Dragão', onde seus traços e trejeitos foram perfeitamente convertidos para a animação; mas o maior destaque mesmo vai para Tony Leung, que se impõe com fúria e sensibilidade enquanto rouba a cena a cada nova aparição. Com duas cenas pós créditos poderosas e cativantes, tanto pelo discurso quanto pelo impacto que trarão ao futuro do Universo Marvel, o primeiro filme solo de Shang-Chi se fecha com louvores e um gostinho delicioso de quero mais, deixando o ensinamento de que dá para resolver a vida cantando Hotel California e estando em alegria, fazendo aquilo que se gosta e aprendendo com isso.


Vale Ver!





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