'O Garoto Mais Bonito do Mundo' : quando a beleza sublime se torna maldição | 2021
NOTA 8.0
Por Karina Massud @cinemassud
“Morte em Veneza”, livro do escritor Thomas Mann, é um dos clássicos da literatura mundial que foi adaptado para as telonas no que também virou um clássico da sétima arte do cineasta italiano Luchino Visconti.
“O Garoto Mais Bonito do Mundo” é um belo documentário que conta a história de Björn Andresén, o menino sueco que viveu o icônico personagem Tadzio no filme “Morte em Veneza” (1971), sua trajetória desde os testes para o papel, na incansável busca de Visconti pelo garoto mais estonteante do planeta ao sucesso estrondoso. Ele foi transformado num ícone mundial de beleza, e nesse ponto o longa sutilmente questiona se isso não teria sido uma forma de abuso e erotização de um menino que caiu de paraquedas no mundo artístico. A cena em que Visconti pede pro menino tirar a camisa e ele, muito constrangido tira, evidencia bem isso.
A narrativa é melancólica e se divide em cenas raras de bastidores de “Morte em Veneza”; as viagens promovendo o filme, a vida louca e por fim a queda do menino para um vazio e depressão pós-fama. É o reencontro de Björn com o passado revivendo suas dores e alegrias e com o que poderia ter sido (mas não foi) depois do sucesso estrondoso. Ficção e vida real se confundem, pois ele não conseguiu sair do personagem muito menos lidar com os excessos que a fama lhe trouxe: presentes, bajulação, estadias fabulosas em Paris e viagens ao redor do mundo.
Em “Morte em Veneza”, o protagonista Gustav é um senhor mais velho que é hipnotizado pela beleza de Tadzio, e paga o preço por isso pois a morte os ronda através da epidemia de cólera que assola a Europa. Os mais atentos talvez façam uma analogia com a vida real, pois Björn foi transformado em obsessão e objeto de desejo sexual, principalmente da comunidade gay, e por isso não se sentia mais humano.
Os fantasmas e dramas familiares assombraram Björn durante toda vida. Sua avó era igual “mãe de miss” e o inscrevia em concursos diversos, até o ponto da virada que foi o teste pro papel de Tadzio. Sua beleza era realmente divina, com traços clássicos, cabelo loiro esvoaçante, nariz reto perfeito, corpo longilíneo e a ingenuidade na expressão fácil de quem ainda não tem muito com o que se preocupar - um ar blasé que atraía todos ao redor. A morte da mãe, os péssimos relacionamentos amorosos e o anonimato, o levaram a uma depressão profunda e inconformismo que nem o breve retorno numa ponta em “Midsommar” (2019) conseguiu atenuar. Hoje, aos 66 anos, ele vive num apartamento decadente e sujo, mergulhado na tristeza e no passado. Aquele Tadzio apolíneo não existe mais, hoje ele tem aparência de um mendigo e só sobraram os olhos azuis olhando para o nada. Ele foi do lixo ao luxo pois não teve respaldo psicológico pra lidar com o tsunami que assolou sua vida, algo perfeitamente compreensível para alguém tão jovem. Não houve redenção para ele.
A beleza em excesso é um atributo perigoso se o detentor dela não souber lidar com o deslumbre causado, porque da mesma forma que o homem a idolatra e alimenta, ele também a inveja e destrói sem aviso prévio. “Não resta muito de mim” : a beleza para Björn foi sua dádiva e sua maldição.
Vale Ver!
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