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'Marighella': o eletrizante thriller político de que o Brasil precisava | 2021

NOTA 9.5

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

“Quem não reage, rasteja!”

Glauber ficaria orgulhoso... Este era o pensamento que vez ou outra pairava por minha cabeça durante a sessão de “Marighella”. Realizado por outro baiano inconformado, um Wagner Moura estreando na direção, este é um daqueles filmes em que os personagens olham diretamente nos olhos do espectador, exalando um cinemanovismo que ultrapassa a necessidade de experimentações estéticas em prol da valorização de sua potência discursiva. E a forma como o recado é passado para esta nossa terra ainda em transe é simplesmente eletrizante.

Aproveitando o que é contado acerca dos últimos anos de vida do líder revolucionário no livro “O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo”, de Mario Magalhães, Wagner vai de certa forma usar o que aprendera com José Padilha nas filmagens de “Tropa de Elite 1 e 2” para imprimir a energia necessária à narrativa – e isso ninguém nega que ambos tenham – deste que se anuncia já nos primeiros minutos como um legítimo filme ação. No entanto, diferente dos longas protagonizados por alguém a serviço de um Estado repressor, temos uma obra que exalta um líder revolucionário que se opôs contra os abusos cometidos durante o período da ditadura militar.

Neste thriller político que ecoa o cinema de Costa-Gavras e que se irmana em diversos aspectos ao clássico “A Batalha de Argel”, o papel de carrasco agora fica a cargo de um Bruno Gagliasso colérico que, na pele do delegado Lúcio, entrega-nos uma espécie de Coronel Mathieu com ainda mais sangue nos olhos em performance visceral. Outro destaque do ótimo elenco, claro, fica por conta de Seu Jorge no papel-título. Sua presença magnética e a força que carrega tanto na voz quanto no olhar são exatamente o que o diretor precisava para fazer do protagonista a figura carismática capaz de atrair tantos jovens para a luta armada.   

No que tange a parte técnica, o filme é um primor. Da câmera na mão de André Tejido, que desde o magnífico plano-sequência de abertura nos faz acompanhar de perto cada movimento, passando pela montagem intensa de Lucas Gonzaga, chegando à trilha enervante de Antônio Pinto, fica difícil apontar um defeito, fato este que coloca o projeto no rol das grandes experiências cinematográficas lançadas (por conta do atraso forçado, é sempre bom frisar) em 2021.  

Fora isso, o roteiro ainda nos joga na cara algumas cenas que são verdadeiros espelhos de nosso atual retrocesso. Uma das mais catárticas é justamente aquela na qual, em plena sala de aula, o filho de Marighella ensina a um professor (que é a cara do Ministro da Educação Osmar Terra) que a destruição da democracia operada pelos militares não possui outro nome senão “golpe”. Cena essa de um didatismo até certo ponto exagerado, mas que, ao se observar o que vem acontecendo no cenário político brasileiro desde 2016, fica difícil não sentir algum prazer ao assisti-la.

Diante do que se vê em “Marighella”, não é de se estranhar a criminosa censura feita pelo atual governo, que inviabilizou o acesso da produção aos recursos públicos que lhe eram destinados. É um filme que escancara a truculência de um período que o revisionismo covarde promovido pela extrema direita que está no poder quer a todo custo apagar ou ressignificar. Ao dar voz a um dos inúmeros personagens importantes de nossa história jogados nos porões do esquecimento, Wagner Moura cria uma obra poderosa, que tem muito a nos dizer hoje e que, como vocifera a potente cena entre os créditos, propõe o resgate de tudo aquilo que nos foi sequestrado, tanto símbolos quanto memórias. Mesmo que soe um pouco panfletário em certos momentos, não há qualquer despropósito na trajetória de luta que o filme ilumina. “Marighella” fala conosco. Por vezes, grita. Tudo para que despertemos do transe que ainda nos acomete. E a importante mensagem deixada para esse Brasil afundado no obscurantismo, sobretudo pela coragem que demonstrou em cada etapa vencida até aqui, é nada menos que inspiradora.   


Super Vale Ver!




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