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Noite Passada em Soho: o suprassumo do cinema jukebox de Edgar Wright | 2021

NOTA  8.0

London can be a lot

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme 

Assistir ao cinema de Edgar Wright é quase como estar diante de uma jukebox. Pagamos para consumir algo cujas luzes piscam ao som da música escolhida para embalar – com toda a ambiguidade do termo – determinado momento. Seu projeto anterior, o exageradamente celebrado “Baby Driver” era até hoje o filme que melhor traduzia essa narrativa que quase obsessivamente buscava, através da montagem, agregar imagem e som numa verve delirante. E quando surgiram os primeiros rumores acerca de seu novo longa, o que mais se comentava  era justamente a expectativa acerca do uso da trilha sonora numa trama soturna que remonta a Londres dos anos 1960. Para esse espectador afoito por colocar suas moedas na máquina e cantarolar na poltrona enquanto seu rosto reflete luzes ritmadas, “Noite Passada em Soho” não decepciona.

Desde a primeira cena no quarto da protagonista, já somos sugados pelo clima nostálgico que dará o tom da narrativa.  Ellie (Thomazin Mackenzie) é uma jovem do interior da Inglaterra, aficionada pela década de surgimento dos Beatles, que recebe uma bolsa para estudar Moda numa importante faculdade de Londres. Sua roupa, feita por ela mesma, é composta por páginas de revistas, e cartazes de filmes como “Bonequinha de Luxo” decoram as paredes do quarto, refletindo o seu imaginário e, claro, tudo isso é exibido ao som de uma canção pinçada sob medida para nos arrastar para aquele universo particular. Trazendo o elemento sobrenatural à sua apresentação, ficamos sabendo que ela ainda possui uma conexão (pouco explicada, aliás) com além, o que a faz se deparar vez ou outra com o espírito da mãe que cometera suicídio.


Mas é a partir da chegada de Ellie à capital britânica que a viagem começa pra valer. Por não se identificar com as colegas de república, que praticavam bullying sempre que possível, ela decide alugar um quarto só para si e, nele, misteriosamente passa a ser transportada todas as noites para efervescência de sua época favorita. Numa dessas incursões, conhece a deslumbrante Sandy (Anya Taylor-Joy), uma aspirante à cantora por quem fica imediatamente fascinada e que, sem demora, torna-se uma projeção daquilo que gostaria de ser. A fluidez com a qual Wright filma o espelhamento – por vezes, literal – proporcionado pelos encontros da dupla chama a atenção. Residem nas sempre bem encaixadas transições entre passado e presente, nas quais se destacam a fotografia de Chung-hoon Chung (o mesmo do genial “Oldboy”) e o design de produção de Marcus Rowland, as melhores sacadas do longa. Um verdadeiro deleite. Já o figurino de Odile Dicks-Mireaux é competente, mas não reluz como os outros aspectos mencionados, principalmente se pensarmos que o encanto da personagem central pelo assunto diz muito sobre a sua personalidade.

O filme é abarrotado de referências. Entre elas, estão algumas mais diretas como o já mencionado cartaz da comédia estrelada por Audrey Hepburn e, ainda, o letreiro de cinema que traz uma das aventuras do James Bond de Sean Connery; das que podem ser chamadas de indiretas, mas que, ainda assim, são um tanto óbvias, vale mencionar os elementos que remetem a “Meia-noite em Paris”, Suspiria”, “Repulsa ao Sexo” e “Psicose”. No que se refere a estes três últimos, clássicos absolutos do gênero com o qual “Last Night in Soho” (no original) flerta, é perceptível como falta à direção de Wright, sobretudo quando a história avança pelos caminhos nada glamurosos da vida de Sandy, a capacidade de criar uma atmosfera sombria e perigosa. Diferente do que se pode perceber nas obras de Mike Flanagan, por exemplo, não há aqui o traquejo ao manipular figuras assombrosas e, muito menos, para fazer delas instrumentos que tragam à tona os traumas das personagens. 

Além disso, é preciso dizer que à medida em que a trama se propõe a discutir temas densos como abuso, exploração e sororidade – o que pode lembrar os recentes escândalos ocorridos na indústria cinematográfica – o roteiro de Wright (em parceria com Krysty Wilson-Cairns) não demonstra o mesmo capricho sentido na escolha das faixas de sua trilha sonora. Do estereótipo típico de comédias como “Meninas Malvadas” com que “desenvolve” o comportamento das outras jovens que convivem com Ellie, que se junta ao clichê da cidade grande que corrompe a jovem do interior, chegando a um certo moralismo com o qual trata o sexo, ficam evidentes as limitações do realizador da “Trilogia Cornetto” ao lidar com aquilo que ultrapassa seu conhecimento enciclopédico da cultura pop.  

Imersivo e empolgante enquanto a agulha da vitrola se mantém nas faixas que Edgar Wright domina, “Noite Passada em Soho” representa o suprassumo de seu cinema jukebox, no qual o silêncio praticamente inexiste. Contudo, pelo que é visto e ouvido para além do que escapa do brilho das luzes e do som das canções escolhidas a dedo, fica a sensação de que, numa paráfrase de seu “refrão”, ir fundo na sordidez humana no meio festa, para ele, pode ser demais.


Vale Ver!



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