'A Fratura' : As feridas de uma sociedade dividida | 2021

NOTA 8.0

Por Rogério Machado 

Já na abertura, em cenas com cortes rápidos e o título pulando na tela, percebemos que o ritmo de 'A Fratura',  longa da cineasta francesa Catherine Corsini que passou muito bem por Cannes e que está na mostra Panorama Especial do Festival do Rio, será eletrizante. O que nem de longe o público desavisado desconfia que está prestes a descobrir é que o vencedor da Queer Palm em Cannes esse ano, será uma das comédias dramáticas mais divertidas e nervosas (na mesma proporção), que um dia ele já viu. 

Raf (Valeira Bruni Tedeschi) e Julie (Marina Fois) formam um casal que está em crise. Numa noite, as duas vão parar no pronto socorro de um hospital. Não em qualquer noite, mas justamente quando acontece um enorme protesto dos 'coletes amarelos', que por sua vez sofrem grande repressão das autoridades e da polícia. Lá, elas se deparam com Yann (Pio Marmai), um manifestante que trabalha como caminhoneiro e se encontra muito ferido. Esse esbarrão proporcionado pelo destino vai mexer com as certezas que essas duas mulheres pressupunham ter.

É feliz e oportuna a maneira como a direção de Corsini alcança a mensagem, - altamente política por sinal - se equilibrando de maneira muito bem dosada entre o drama e a comédia. As críticas ao sistema, retratado pelas manifestações do movimento dos 'coletes amarelos', que foram às ruas contra o presidente Emmanuel Macron em função do frequente reajuste de impostos e que afetou diretamente as classes médias e trabalhadoras é direta, mas com os pontuais alívios cômicos proporcionados pelo casal protagonista. 

Para tanto, as intervenções da excepcional Valeria Bruni Tedeschi são providenciais para as quebras de ritmo nas sequências frenéticas de tensão que se estabelecem dentro de um hospital que está à beira de um colapso. O apelo ao cômico, que às vezes flerta com o pastelão, só reverbera bem em cena pelo brilhantismo e despretensão com que a atriz conduz sua personagem, uma mulher altamente carente e insegura. 

A fratura de Corsini aqui tem conotação literal e figurada de maneira fluida e coerente, sem apelar para os discursos chatos e didáticos, mas que alcança êxito ao abordar com criatividade os dilemas de uma sociedade partida, um sistema de saúde sucateado e relacionamentos que se quebram e se juntam todos os dias, e nem mesmo precisam de um gesso pra isso. 

Vale Ver!