'A Mão de Deus' : O passado como uma saudosa obra de arte | 2021
NOTA 9.0
Por Maurício Stertz @outrocinéfilo
Se o Barroco subvertia expectativas pela retração ao formalismo pictórico da época, sua modernização estilística enche as paletas de outras cores e outros traços mundanos. Isso porque como contravenção artística, os quadros pintados, neste caso a composição cinematográfica, recebem a graciosidade ímpar que o passado trouxe a Paolo Sorrentino em 'A Mão de Deus', filme italiano postulante ao Oscar de 2022.
O diretor italiano vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional com a 'A Grande Beleza' em 2014, decide pelo inusual ao montar seu autorretrato, o preenchendo, após distorcidas as lembranças que se modificaram naquilo que mais lhe interessava no momento: o futebol.
Ao ressignificar sua história, ora com um olhar pessimista e contaminado pelo tempo, ora nostálgico e saudoso, as lacunas se postam como oportunidades para que trace os caminhos que o fizeram um cineasta tão promissor.
O plano de fundo remete às lembranças vívidas de sua infância, quando torceu, e pôde comemorar mais tarde como um título nacional, que Diego Maradona assinasse seu contrato com o Napoli. O curioso é que o diretor já havia mencionado sua admiração ao jogador durante seu discurso de agradecimento em 2014, mencionado após o nome de Federico Fellini, a quem usa de inspiração e par identificável pelo surrealismo sutil em seus filmes, inclusive neste.
Num primeiro momento, suas lembranças o colocam como personagem de uma comédia italiana. Sua projeção fílmica, porém, está em Fabietto (Filippo Scotti), um garoto de uma família aparentemente conservadora. Em alguns encontros com seus parentes barulhentos, assiste a movimentação como se pudesse formar a si, sempre tímido, observador e um constante retrato de seu próprio pai (Toni Servillo).
Além da espera ansiosa por seu ídolo esportivo, o garoto experimenta as curvas sinuosas da vida, explora sua sexualidade, descobre o repentino interesse em sua tia (Luisa Ranieri) e assiste diante dos seus olhos o confronto ao conservadorismo.
À primeira vista a montagem respeita estas direções, o que pouco conforta o espectador, é bem verdade, pois as memórias dependem, necessariamente, das inconstâncias de cada linha transcrita à tela.
Mas a grande beleza, com o perdão da analogia, está também nas composições de 'A Mão de Deus'. A câmera é enquadrada para que cada plano, mesmo separado de seu conjunto, funcione solitário como obras de arte que merecem molduras. Isto é, basta pressionar o pause por um momento e as imagens parecem saltar à tela, com tantos traços e significados que Sorrentino, ao guiar o espectador em sua história íntima, utiliza para complementar em visual o que decide suprimir em palavras.
Em uma trama de amadurecimento (“coming of age”), as alegorias de 'A Mão de Deus' surgem como uma forma de poder suavizar lembranças. A contar o conservadorismo exposto, por exemplo, a religiosidade serve de bengala aos seus floreios sobre as consequências divinas. Colocando em par de igualdade a certeza de intervenção na sua vida e na do seu maior ídolo. Afinal, no jogo da Argentina na Copa do Mundo de 1986, a mão de Maradona, era a mão de um Deus que intervinha por seu povo, e para Paolo Sorrentino, a intervenção divina esteve difundida nos acontecimentos que o levaram a ser quem é.
Super Vale Ver!
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