Adsense Cabeçalho

'Não Olhe Para Cima' e as burocracias do fim do mundo | 2021

NOTA 10

Por Vinícius Martins @cinemarcante

Quando fui ao Cine Jardins (em Vitória, ES) assistir 'Não Olhe Para Cima', duas semanas atrás, eu honestamente não fazia ideia do que encontraria. Não li sinopse, não assisti trailer, não pesquisei ficha técnica. As únicas coisas que eu sabia eram que o elenco tinha os nomes de Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Tyler Perry, Kate Blanchett, Mark Rylance e Himesh Patel entre outros, e que o filme era escrito e dirigido pelo brilhante Adam McKay, que concebeu 'A Grande Aposta' e 'Vice', duas cinebiografias geniais e irretocáveis em estética e linguagem audiovisual. Essas informações me bastaram para dar um "passo de fé" e ir assistir ao novo filme original do selo Netflix com um desconhecimento total sobre a trama ou a proposta do diretor, e devo lhes dizer: foi a melhor coisa que eu fiz. 'Não Olhe Para Cima' é surpreendente em todos os seus aspectos, mas principalmente em seu caráter satírico quanto a capacidade humana de cometer atos estúpidos em tempos de crise. Recomendo, inclusive, que pare de ler após este parágrafo e retorne depois de ver o filme, pois a experiência que vem desse modo é simplesmente incrível.

Quão fúteis as pessoas conseguem ser quando se prendem na bolha do individualismo? A pergunta, nesse caso, se aplica em um comportamento de manada, onde o coletivo é mesquinho e nega as evidências que se colocam bem diante dele. McKay trabalha seu roteiro com uma precisão cirúrgica entre a crítica sociopolítica e a sátira, fazendo uma paráfrase tragicamente hilária aos tempos de pandemia. O festival de ironias sai da tela e acerta o público em cheio, principalmente nas ocasiões onde politizam partidariamente a crise que se instala após a descoberta de um cometa que vem em direção à Terra. Uma, dentre as inúmeras amostras da burrice humana que o filme exprime, está em uma manchete que questiona se terá SuperBowl no fim do mundo. A mídia dá dimensões irreais do problema, assim como as autoridades (in)competentes, amenizando a gravidade da situação em prol do "bem estar emocional" da audiência, e terminam por adiar o reconhecimento da crise e, por consequência, sua resolução também.

Em um acordo crítico inconsciente ao discurso dos filmes de 'Matrix', 'Não Olhe Para Cima' levanta indagações e hipérboles que enfatizam quão cômodas as pessoas tendem a permanecer enquanto as coisas simplesmente acontecem a elas. Esse comportamento passivo exala a desacreditação à ciência e a incompetência política proveniente de governantes que, com o perdão do termo, estão cagando para o povo e se preocupam apenas em perpetuar seus egos inflamados no poder. Entre escândalos que desviam a atenção da crise e bilionários que vêem nela uma oportunidade de lucro, 'Não Olhe Para Cima' é uma alegoria perfeita para o período que temos vivido nesses últimos dois anos. O último filme que me impactou tanto assim foi 'Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo', de 2012, que trabalha a intimidade em meio ao caos. Aqui, é claro, a dimensão é diferente e a abordagem mais ainda. Enquanto no filme de quase dez anos atrás a narrativa acompanhava indivíduos comuns, aqui assistimos aos bastidores da desgraça iminente e vemos quão absurda e burocrática é a questão de lidar com a responsabilidade sobre a vida de milhões de pessoas. 'Não Olhe Para Cima' tem a minha torcida para o Oscar, e é sem dúvida nenhuma uma das mais gratificantes surpresas de 2021.


Super Vale Ver! 




Nenhum comentário