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'Amor, Sublime Amor' é a ode perfeita às paixões impossíveis | 2021

NOTA 10

Versão equânime de Spielberg é um belíssimo acréscimo ao clássico desatino do amor

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Existem dois tipos de pessoas no mundo: aquelas que almejam as guerras (e morrem por elas) e aquelas que ficam e sofrem as consequências das guerras dos outros. 'Amor, Sublime Amor' trata basicamente disso, como uma sinfonia shakespeariana onde jovens amantes são fadados ao sofrimento em decorrência a conflitos que procuram evitar, mas que acreditam possuir alguma parcela de culpa - quem assistiu ao clássico sabe muito bem disso.

O filme do início da década de 60, vencedor de 10 estatuetas na 34ª edição do Oscar, é um sucesso absoluto até os dias de hoje. Foi, inclusive, homenageado e reverenciado em filmes como 'La La Land - Cantando Estações' (2016) e em séries como a já finalizada 'Glee'. Em uma releitura dinâmica e artisticamente impecável, Steven Spielberg resgata a obra e a apresenta para uma nova geração, sessenta anos após o lançamento do filme premiado dirigido por Robert Wise e Jerome Robbins.


Refilmar 'Amor, Sublime Amor' seria algo tão absurdo e desnecessário quanto refilmar 'Titanic' (1997), de James Cameron. Alguns filmes são definitivos, e quem assistiu ao filme de 1961 sabe que ele já se bastava sozinho. Spielberg também sabe disso. A pergunta que se dá então é: o remake teve alguma utilidade e mostrou a que veio? A resposta é um grande e belo sim, com todos os louvores ao mestre Spielberg que entregou aqui mais um sucesso em sua filmografia. Para essa nova versão resgatou-se o mesmo roteiro (com algumas alterações na sequência dos fatos e acréscimos notáveis às camadas dos personagens) e mantiveram-se inclusive as mesmas canções e melodias icônicas, como a do primeiro encontro entre Maria (Rachel Zegler) e Tony (Ansel Elgort).

Em essência, o filme de 1961 é como o açúcar cristal, que é doce e é tradicionalmente usado em receitas, fazendo parte do cotidiano e bem aceito pela imensa maioria das pessoas; desse modo, o filme de 2021 é como o açúcar refinado, que é mais doce, prático e cumpre sua função com leveza. Nessa ilustração, o açúcar mascavo (ou o demerara, se preferir) seria o musical da Broadway, que foi lançado em 1957 após oito anos de ensaios e pré-produção. E o açúcar refinado que é o filme da vez faz muita justiça ao termo. O refinamento da produção resulta em um trabalho artístico primoroso, que é um dos melhores longas que Spielberg dirigiu no século XXI.

Claro, há quem prefira o açúcar cristal e diga que o açúcar refinado faz mal à saúde, mas o apego ao clássico (que é único e impecável, a propósito) pode impedir o desfrutar das tantas qualidades e propriedades saudáveis que a versão requintada (leia também "requentada", se preferir, mas no melhor sentido do termo) tem a oferecer. O filme dialoga com questões como transexualidade  e xenofobia, tal qual ao antecessor, mas abre espaço também para debates sobre cultura de estupro, uso recreativo de drogas e o fetichismo à violência.

A briga entre os Jets e os Sharks não é meramente uma rivalidade juvenil entre garotos orgulhosos e desocupados, não; aqui há o contexto da apropriação, da identidade cultural e do temor ao próprio despropósito. Em um diálogo de responsabilidades com Tony, Maria quebra a bolha do romance inconsequente que tanto é fantasiado de maneira exacerbada pela indústria e puxa para si a culpa pela tragédia iminente: "Não podemos fingir que não estamos causando problemas". Com essa rápida linha verbalizada em um metrô, os protagonistas explanam possuir consciência sobre as implicações de suas escolhas e o receio de que algo tão puro e bom possa dar frutos perversos e terríveis. Com a escolha do cenário, evocando o rápido e passageiro, entende-se o quão pequeno é o período que se esvai entre o explodir da paixão e a consumação da guerra das gangues.

As mortes aqui possuem mais peso e o sofrimento dos que ficam é visível em caretas que oscilam entre o choro e a fúria. Ouso dizer que é enorme a chance de Ariana DeBose repetir o feito de Rita Moreno e levar o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por sua performance no papel de Anita. Na próxima temporada de premiações é certo que 'Amor, Sublime Amor' marcará presença, mas arrisco palpites em categorias técnicas, talvez. Contudo, os prêmios para DeBose são praticamente certos que virão.

Dez anos atrás, em 'Super 8', J. J. Abrams homenageou Spielberg adotando seu estilo de ficção científica clássico; e agora parece que Spielberg retribuiu a homenagem, recheando as cenas com os flares por todo o filme, adotando a assinatura visual de Abrams. Homenagem por homenagem, o 'Amor, Sublime Amor' de 2021 é um pacote completo de homenagens e tributos ao cinema como um todo, contendo muita música, dança, ação, romance, intrigas, conflitos e amores impossíveis. As paixões momentâneas podem se tornar eternas, e a história de Tony e Maria com certeza configura o top 5 da lista de casais inesquecíveis do cinema. 'Amor, Sublime Amor' é uma obra de arte bruta e delicada, que merece ser vista no cinema e aplaudida ao final.


Super Vale Ver!



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