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'Nove Dias' e o valor da nossa existência | 2021

NOTA 8.5

Por Karina Massud @cinemassud 

Várias religiões acreditam na reencarnação. Há a crença de que não vivemos apenas uma vida, mas várias; morremos, nossa alma desencarna do seu corpo físico e renasce em um outro conforme o aprendizado que ainda temos para receber. Conforme esse preceito religioso ou filosófico podemos ter várias existências, o que a meu ver seria muito mais rico do que vivermos apenas uma vez.

Em “Nove Dias”, filme do brasileiro Edson Oda, que foi destaque no Festival de Sundance esse ano e também está na seleção do Festival do Rio, a trama é focada em reencarnação e num processo seletivo muito curioso: quem será o escolhido para voltar à vida. Oda foi ousado e bastante criativo ao debater um tema tão controverso, e apesar de ser seu filme de estreia, ele o escreveu e dirigiu como um veterano.

Will é o protagonista que passa seus dias em frente a diversas TVs assistindo as vidas de pessoas diversas, até que alguma delas morra, abrindo uma vaga na Terra. Aí, junto do ajudante Kyo,  ele dá início a um concurso que em nove dias seleciona a alma que irá ganhar vida novamente. Will é interpretado de forma soberba por Winston Duke ( de “Nós, “Corra”, “Pantera Negra”) - ele já viveu uma vez e agora é o responsável por essa tarefa dificílima, que também traz à tona  várias dores da vida pregressa dele - é quando aparece a alma otimista e de espírito livre Emma (a solar Zazie Beetz). Nesse processo de testes, todos encaram questionamentos tão antigos quanto a humanidade: o significado da vida, nossos medos, crenças limitantes, livre arbítrio e o real valor que damos a vida enquanto ainda estamos na Terra. Todas as almas estão ansiosas para renascer, de onde se deduz que aquele local (seria o limbo do esquecimento?) não deve ser agradável, e a vida vale a pena ser vivida apesar de todas as dificuldades.

No cenário não há nada que se pareça com o céu, o inferno ou o purgatório com que estamos acostumados a ver em livros e pinturas. Visualmente o filme é bem retrô, com tvs antigas de tubo e fitas de VHS que mostram as vidas das pessoas para  Will, até mesmo suas roupas e os painéis que ele prepara para os candidatos são de uma era analógica. Já a paisagem onde fica seu casebre isolado é uma vastidão de areia e céu claro, numa sensação de placidez e solidão infinitas, que aliadas à poderosa trilha sonora (também de um brasileiro, o Antônio Pinto) rasgam o peito do espectador com as emoções ali reprimidas. 

Não se sabe muita coisa dos personagens, nem de onde vem nem por quê estão lá, o foco são os sentimentos e escolhas que eles fazem diante das situações hipotéticas da seleção. Um turbilhão de sentimentos que assola tanto os candidatos quanto o espectador; se o vencedor leva nove dias para ser escolhido, nós do lado de cá da tela levamos bem mais pra digerir a trama. 

Curiosamente o roteiro não tem um viés religioso, os questionamentos passeiam mais pela filosofia existencialista, que busca um sentido para a vida pautado em nossas escolhas - nós somos os donos do nosso destino e responsáveis por enxergar o lado da existência. A sequência final é linda, sem grandes rompantes ou reviravoltas, apenas a difícil missão de se colocar no lugar do outro, de ter empatia genuína e por isso mesmo tão rara. Um filme de uma sensibilidade ímpar no qual não é fácil de mergulhar, mas uma vez dentro, a emoção é certa.


Vale Ver!




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