As agruras da maternidade em “A Filha Perdida” | 2021
NOTA 9.0
Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme
Em 2021, alguns lançamentos chamaram a atenção por abordarem a maternidade. “Quo Vadis, Aida?” e “Madres Paralelas”, por exemplo, foram alguns dos títulos que lançaram luz sobre tal condição feminina. Até em “Maligno”, o terror do ano, ela foi trabalhada em algum nível. E se há um aspecto que une essas obras tão diversas, além, obviamente, de sua temática, é o fato de que as mulheres nelas representadas exerciam bem ou desejavam muito exercer tal função. Ser mãe era algo que as completava. Já o mesmo não se pode dizer sobre Leda Caruso, a protagonista de “A Filha Perdida”.
Baseado no romance homônimo de Elena Ferrante, a longa nos apresenta a personagem, uma professora universitária, durante sua estada na ilha de Corinto, na Grécia, enquanto aproveita as férias. Tudo vai bem até que a sua tranquilidade é interrompida pela chegada de uma família que, praticamente, invade a praia que julgava ser só sua. A partir de então, suas atenções estarão voltadas para a jovem Nina (Dakota Johnson) e sua pequena Elena, o que a fará reviver momentos do passado, em especial os que abarcam o conturbado período em que precisou administrar casamento, a relação com as filhas e o início da carreira acadêmica.
No longa de estreia de Maggie Gyllenhaal na direção, a maternidade não é vista pelo prisma do chavão que coloca o momento como “o mais feliz” na vida de uma mulher. Ao observar a relação entre Nina e Elena, Leda revive as aflições de quando não tinha mais um momento para si, da falta de privacidade para estudar ou até mesmo sentir prazer, dos choros, das birras infantis etc. Cada movimento naquele paraíso corrompido acaba funcionando como gatilho para uma lembrança angustiante. E a forma como Maggie filma, com a preciosa contribuição de Hèlène Louvart, deixa-nos em permanente estado de tensão, pois seus enquadramentos, auxiliados por um evocativo desenho sonoro, criam um suspense bem peculiar em torno das interações entre Leda e a família de Nina (“gente com quem não se brinca”) e as possíveis consequências de um ato instintivo – e muito simbólico – da professora.
Outro fator que torna “A Filha Perdida” uma experiência sempre instigante é a articulação bem realizada entre suas linhas temporais. A montagem de Affonso Gonçalves não só utiliza com muita sabedoria o flashback, como também é hábil na construção de um jogo entre olhares e reações, quando muito é dito sem que qualquer linha de texto seja proferida. E a manutenção de nosso interesse tanto pelo passado quanto pelo presente de Leda muito se deve também ao trabalho das atrizes que a interpretam. Se Olivia Colman prova mais uma vez ser uma das maiores da atualidade, contribuindo sobremaneira para a complexidade de Leda, é preciso contemplar também a bela atuação de Jessie Buckley, que consegue algo nada fácil: “rivalizar” com a vencedora do Oscar por “A Favorita” em mais uma performance digna de prêmios.
Mostrando sutilmente o horror da maternidade, sobretudo a partir da anulação que ela pode deflagrar, Maggie Gyllenhaal debuta como cineasta demonstrando muita sensibilidade. Amparada pelo texto de uma autora especialista em traduzir na forma de arte as agruras do universo feminino, a diretora/roteirista coloca em xeque essa tão propalada necessidade imposta à mulher. Como confessa Leda diante de Nina: “Eu sou uma pessoa muito egoísta.”. E pensar se há algum problema nessa postura talvez seja a grande reflexão proposta por Maggie. Assim, em sua primeira criação como realizadora, de modo consciente e singelo, faz questão de falar sobre esse sentimento, difícil de nomear, que uma mulher carrega simplesmente por querer largar tudo e voltar a se enxergar como indivíduo.
Super Vale Ver!
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