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'King's Man: A Origem' é um retalho a justificar confrontos | 2022

NOTA 4.0

Pode um autor deturpar a própria obra?

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Todo diretor autoral tem algo a dizer com suas obras, seja em posicionamento político ou em ideologia de vida. Sempre há uma mensagem intrincada nas cenas que escreve e leva à tela, e esse discurso é, na maioria das vezes, íntimo e pessoal. Com 'Kingsman: Serviço Secreto' (2015), o diretor e roteirista Matthew Vaughn fez um comentário crítico sobre o uso imprudente da tecnologia e flertou com a cultura da violência despudorada; já em 'Kingsman: O Círculo Dourado' (2017), Vaughn abriu um debate necessário sobre o uso recreativo de drogas ilícitas e a tendência ao vício que isso pode proporcionar, além da dependência e dos efeitos colaterais que as sintéticas ocasionam em seus usuários. O segundo Kingsman era, como descrevi na época de seu lançamento, uma nova versão de si mesmo sem necessariamente inovar, mas isso não era um problema. Agora, no alvorecer de 2022, temos diante de nós um terceiro capítulo deste universo, que é, na verdade, um prelúdio. Contudo, sou obrigado a questionar aquilo que Vaughn teria a dizer com esse novo filme, já que foge quase completamente da proposta de seus antecessores e, além de não inovar, parece rumar na direção contrária aos seus demais.

Existem, é claro, diretores que dizem não ter nada a dizer e estão ali para proporcionar o entretenimento pelo entretenimento, mas com isso já estão dizendo algo mesmo sem perceber. Fato é que quando o idealizador tem tato com a própria obra, até mesmo um filme dessa linha resulta em uma execução genial que perdura na memória coletiva. 'King's Man: A Origem' não é um desses filmes, principalmente pelo fato de ter algo a dizer deliberadamente. A questão aqui é entendermos o quê. Enquanto os filmes de 2015 e 2017 faziam uso do humor para dialogar com o público enquanto a violência era comedida através de passagens exasperadas e extasiantes, o filme de 2022 (que chegou aos cinemas com vários meses de atraso devido à pandemia) abdica desse viés e se apresenta como o filme mais sério e sombrio da franquia até aqui. O problema, no entanto, é que o filme parece não perceber quem ele próprio é no mosaico histórico que Vaughn criou e, simultaneamente, parece não se levar tão a sério quanto deveria. O filme só lembra ao público de que pertence à franquia Kingsman nas cenas que se passam na alfaiataria, além da cena final que parece ser o que justifica o título do filme - até porque, se não fosse por isso, poderia ser qualquer outro filme aleatório que não faria diferença.

Entende-se que o diretor quis mostrar que a casa britânica de super agentes se formou através do luto e das perdas interiores de patriotas que sacrificaram a paz pessoal em prol da paz da nação; mas a concepção saiu bem diferente da ideia. As mortes não são sentidas com o impacto necessário porque não houve uma evolução empática natural para que o público se importasse com quem vive ou morre. Vaughn mescla Roland Emmerich e Sam Mendes, com estruturas que lembram 'O Patriota' (2000) e '1917' (lançado no Brasil em 2020) na relação pai e filho perante o anseio pela guerra e pela ambientação de trincheiras e corridas durante a primeira guerra mundial. Todavia, falta a 'King's Man: A Origem' o refinamento de tais obras e o fio condutor emocional que guia a ambas. Como resultado, temos extravagâncias em personagens históricos caricatos e justificativas risíveis para alguns eventos da história mundial. E é aqui que encontramos o maior problema do filme.

Quentin Tarantino reescreve a história ao próprio gosto de modo a promover reparações históricas, e faz uso exacerbado da violência para entregar uma recompensa ao público com uma aula de justiça e vingança. Acontece que Matthew Vaughn não é Quentin Tarantino, e a revelação na cena pós créditos de 'King's Man: A Origem' acaba se tornando uma das coisas mais apelativas do cinema nos últimos anos. Veja bem: Tarantino satiriza a realidade, e Vaughn tenta justificá-la dentro da fantasia de sua trama. Anteriormente Vaughn travestiu suas obras com entretenimento bruto enquanto camuflava suas mensagens em camadas que oscilavam entre piadas e cenas de ação bem elaboradas e inventivas, mas aqui não há nada disso - nem mesmo a fantasia de um bom entretenimento o filme consegue oferecer. Basicamente ele está em cartaz para dar respostas às perguntas que ninguém fez. Voltando à questão lá de cima, vê-se em seu desenvolvimento que a temática central do novo Kingsman é uma releitura política que critica as capacidades e direitos dos governantes a ocuparem seus postos. O debate proposto aqui se empenha mais em apontar dedos do que em dar voz aos diferentes lados, e o que salva o filme de sua inclinação ao fiasco é o trabalho dos coadjuvantes, que repetidas vezes roubam a cena para si: Gemma Arterton e Rhys Ifans brilham sempre que uma nova linha de diálogo lhes oportuna a fala.

Além deles, temos um elenco brilhante que, infelizmente, está ficando preso a estereótipos de papéis repetitivos. Ralph Fiennes e Djimon Hounsou parecem reprisar personagens antigos, e essas escolhas no corpo de elenco acarreta na constante impressão de que não vemos algo original na tela, mas sim um compilado de personalidades e cenas que funcionaram em outros filmes. Uma pena, um desperdício. O novo Kingsman tinha tudo para ser empolgante como o primeiro foi, mas se tornou tedioso e cansativo. Nem mesmo a boa fotografia e a bela condução das composições bastam para manter a imersão nele. Aparentemente, inicia-se aqui uma franquia spin off - 'Kingsman' e 'King's Man' podem ser coisas separadas dentro de um mesmo universo, mas só saberemos no futuro. Por enquanto, fica a decepção de 'King's Man: A Origem'. Espero, honestamente, gostar mais dele quando revisitá-lo.


Nem Vale Ver!





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