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'Roda do Destino' e o olhar melódico de Ryusuke Hamaguchi | 2022

NOTA 8.0

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo 

Podemos dizer que 2021 foi um ano de ouro para o diretor japonês Ryusuke Hamaguchi. Digo isto pois ele emplacou dois longas-metragens que alegram qualquer cinéfilo em uma sala de cinema: 'Drive My Car', o “queridinho”, que levou três prêmios no Festival de Cannes e é uma das grandes apostas para levar o Oscar de Melhor Filme Internacional, e 'Roda do Destino', que recebeu o Urso de Prata em Berlim, e demonstra as mãos habilidosas deste contador de histórias tipicamente japonesas.

A comparação é inegável, porém, admito, não muito proveitosa. Não seria justo comparar desiguais, são duas obras, duas medidas. Por outro lado, é possível com este exercício extrair traços da filmografia recente do diretor e encontrar nela padrões para análise. Um deles que salta aos olhos é o minimalismo em retratar histórias de pessoas em situações cotidianas e, em outras mãos, talvez desinteressantes; outro padrão está no sentido de Hamaguchi manter seu cinema mais lento, estático e vigilante com os personagens que se movem com igual cadência.

Em 'Roda do Destino', o diretor decide contar três histórias distintas com pouco mais de quarenta minutos cada, com a ligação principal que aponta para o amor, seja ele romântico, platônico ou erótico. A 'Roda do Destino', como bem diz o nome em português, proporciona outra interessante relação – aponta para o que é imponderável, como se o destino dependesse de uma grande roleta onde são definidos os caminhos e os acontecimentos que virão. Basta girá-la.

Em seguida argumentarei sobre a poesia que encontrei em cada um dos contos. Antes, penso na configuração que Hamaguchi escolheu para contar uma história única. Isso porque decide fazê-lo de forma episódica, com esquetes dramáticas. A montagem do filme (o ato de criar significados através da junção de planos) é também um convite a outras descobertas, como por exemplo, estar atento aos marcos que delimitam cada uma destas histórias. Estou falando dos letreiros. Parece ingênuo reparar o aparecimento destas frases em tela, mas acuso que existam mais significados nestes pontos específicos de ‘virada’ que podemos imaginar. A cada transição, um letreiro simboliza algo como o sumário de um livro, como portas de entradas a uma dimensão cinematográfica(capítulo), um lugar delimitado em tempo e espaço que podemos finalmente nos conectar – uma história única, portanto, outro capítulo, outro letreiro, outra realidade.

E já no primeiro letreiro, a primeira imersão. Na cena inicial assistimos duas garotas sentadas no banco de trás de um carro em movimento. Uma delas, muito confortável, conta para a amiga sobre um garoto que havia conhecido na noite anterior e lhe fez promessas de amor. A câmera estática apenas as acompanha, reparando nas micro expressões de cada uma das meninas. Até que, por um breve momento, uma expressão entrega que a Roda do Destino por fim parou, apontando ao que parece ser a “coincidência”. Seria possível, dentre tantas pessoas, a boa ouvinte conhecer o rapaz?

Hamaguchi faz suas primeiras intervenções, com a destreza de manter o tom baixo para contrastar, primeiro, o relacionamento que ali se inicia com o que está por um fio de terminar, deixando a cargo dos personagens que possam lidar com as incertezas que o destino lhes traz. Poético, como já pôde provar, o diretor ainda termina o conto com uma metáfora visual, equiparando a paz interior de uma das garotas com as folhas verdes das árvores que crescem solitárias em meio a cidade barulhenta.

Se na primeira volta se definia a coincidência, o segundo conto, por outro lado, é o da “consequência”. Neste, uma aluna decide denunciar um professor por assédio, mas para isso precisa atraí-lo para sua narrativa erótica que logo lhe trará consequências. Acontece que ao tentar ser ofensivo, no sentido de ir em frente e seguir o plano, a garota se vê fragilizada e precisa voltar a sua posição de defesa para entender suas motivações mais íntimas. A longa conversa com a porta entreaberta funciona para que Hamaguchi demonstre sua habilidade ao escalar a emoção e tensão, manipulando, inclusive o espectador, nesta jornada.

Por fim, para a terceira história, Hamaguchi nos apresenta uma mulher que, após voltar do reencontro da sua turma de faculdade, encontra na rua quem acredita ser seu primeiro amor. As duas se descobrem juntas e criam laços platônicos. A tensão romântica domina a tela, e o amor, que é inalcançável e até mesmo puro, está intacto na memória, em um pedestal bem-posto para que continuem guardando as lembranças daquelas que amam. Novamente mínimo, a história se desenvolve pelas sutilezas, pelas palavras não ditas e pelo olhar que passeia livremente pela sala.

Introduzidas as três histórias, ressalto seu tom poético. O que é cotidiano recebe as pinceladas do que é imprevisível e os diálogos expressivos e suaves adquirem novamente um olhar estático e permissivo na maneira que Hamaguchi aponta sua câmera. Uma forma de deixar livres seus personagens para que dancem sua música e recitem sua poesia.  


Vale Ver!




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