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'Morte no Nilo' é leitura audiovisual brilhante com notas de solidão e elenco polêmico | 2022

NOTA 9.0

Polêmicas? Faça a egípcia.

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Quando 'Assassinato no Expresso do Oriente' chegou aos cinemas, lá no longínquo ano de 2017, já era nítida a intenção de se criar uma franquia de filmes embasada no universo literário de mistérios e investigações que a genial Agatha Christie criou mais de um século atrás. Anunciou-se então 'Morte no Nilo', que seria novamente dirigido e estrelado pelo multifacetado Kenneth Branagh. O que não se esperava, no entanto, era que no período entre um filme e outro o mundo virasse de ponta cabeça por causa de uma pandemia e, além disso, nomes de peso do elenco se envolvessem em escândalos por condutas condenáveis e fossem alvo de investigações criminais também no mundo real. Infelizmente, a má sorte na escolha do elenco do primeiro filme (que tinha Johnny Depp, cuja reputação se queimou após as filmagens devido ao conturbado divórcio com a também atriz Amber Heard) acabou se dobrando neste segundo, que tem acusações gravíssimas de estupro e canibalismo contra o galã da vez, Armie Hammer, e um cancelamento coletivo contra Letitia Wright, que se declarou anti-vacina em meio ao caos da COVID-19 - isso sem contar Gal Gadot, que foi amplamente criticada após fazer comentários sobre os conflitos do oriente médio.  


Contudo, apesar do dedo podre para a escolha do elenco (um verdadeiro infortúnio, afinal), Kenneth Branagh lava suas mãos e entrega uma obra primorosa e encantadora em sua consciência audiovisual nobre e intrigante. Já na introdução vemos Branagh fazer um belíssimo passeio pela juventude de seu protagonista, Hercule Poirot, usando a trama para aprofundar, paralelamente, seus dramas pessoais e modismos compulsivos. Para quem não leu a obra de Agatha Christie, o filme se serve como um prato cheio para quem gosta de enigmas comportamentais e jogos de detetive; para quem já leu 'Morte no Nilo', o filme se entrega como um deleite visual belíssimo e refinado, com uma cinematografia invejável e uma trilha sonora (composta por Patrick Doyle) que cresce sem se fazer notar, conduzindo a atmosfera até as grandes reviravoltas que a trama dá. A primeira metade do filme pode parecer cansativa para alguns, mas não é algo ruim. Enquanto aparenta "cozinhar um galo" em sua primeira hora quase toda, Branagh e o roteirista Michael Green estão, na verdade, distribuindo as peças pelo tabuleiro para, desse modo, deixar o jogo montado para quando a ação de fato começar. Além do protagonista vivido por Branagh e dos já citados Armie Hammer, Letitia Wright e Gal Gadot, temos também a presença de Annette Bening, Russell Brand, Rose Leslie e Emma Mackey - e todos muito bem em seus respectivos papéis.

Embora algumas alterações tenham sido feitas para adaptar a obra ao contexto do universo que está se criando (como transformar uma romancista erótica em cantora de jazz, por exemplo, e a ausência de figuras importantes para o desenrolar dos eventos - sim, estou falando do Coronel Race), o espírito da obra permaneceu presente graças ao excelente trabalho conjunto da equipe criativa. Branagh é um excelente diretor de elenco, e a qualidade deste segundo volume continua altíssima graças ao seu olhar teatral. Com isso, algumas liberdades se tomam e Poirot se torna um personagem mais humano com o novo confinamento proposto. A solidão e o passado de Poirot são melhor explorados, com um comentário íntimo sobre a maldição da inteligência e de como isso afasta as pessoas - assim como filmes inteligentes tendem a afugentar aquela parcela do público casual que prefere um escapismo fácil onde basta desligar o cérebro e se deixar levar pela onda (vide 'Moonfall: Ameaça Lunar', que segue em cartaz simultaneamente nos cinemas). 

Por fim, espera-se que o filme vingue e não acabe se tornando uma vítima das circunstâncias infelizes que se sucederam após sua filmagem. Uma boa trama, um bom mistério e uma boa realização resultam em um entretenimento que vale a pena ser revisto - e essa nova safra de adaptações de Agatha Christie tem se provado um primor a cada novo capítulo. Que venham mais filmes assim, mas com uma sorte melhor na composição do elenco para evitar o risco na arrecadação por causa de polêmicas pessoais; mas isso já é assunto para uma outra hora. Por enquanto, vá assistir 'Morte no Nilo' e se surpreenda com essa história eximiamente contada.


Super Vale Ver!



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