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'Reze Pelas Mulheres Roubadas' : uma premissa poderosa abraçada por uma composição com muito a dizer | 2022

NOTA 7.0

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo

Alguns filmes dão razão aos Realistas.

Ao ‘desmontarmos’ o filme a fim de descobrir o funcionamento de todas as partes, como uma criança faria com um brinquedo qualquer, é possível perceber que a composição e a fotografia funcionam também como uma experiência precisa da conexão psicológica entre espectador e a tela - isto é, se permitir a acreditar na história que estamos vendo.

Esta proximidade é difundida por uma linha teórica realista, que pregava, liderada por André Bazin e outros, que o espectador cria laços emocionais fortes com as histórias que vê se puder encontrar alguma proximidade com a realidade apresentada.

Certo, mas qual é a aplicabilidade disso? Se nossa bagagem permitir, podemos entender qualquer história como sendo real, podemos nos importar com o protagonista que vive o que, possivelmente, já vivemos algum dia.

Mas isto não é o fim, porque nesta escala ilusória, existem filmes que intensificam este jogo psicológico ao criar texturas quase palpáveis, frutos da fotografia e do design de produção. E quando vemos superfícies palpáveis, sentimos, sem entender bem o porquê, o cheiro que uma cena propõe ou o suor que o sol escaldante faz parecer nosso. Alguns outros exemplos se preocupam com estes detalhes narrativos, com uma fotografia que confere ao público suas pílulas de verdade, como o excelente 'Ataque dos Cães' (2021), de Jane Campion ou mesmo o road movie indiano 'Pedregulhos' (2021), do estreante P.S. Vinothraj.

Atentando agora a premissa de 'Reze Pelas Mulheres Roubadas' ('Noche de Fuego', no título original), penso que a diretora Tatiana Huezo segue este mesmo caminho, aliado a uma trama concisa de poucas locações, profunda em argumento.

Conciso, também, pelas dificuldades que o cinema Latino-Americano vem enfrentando nas últimas décadas, ora pela falta de fluxos de investimentos, ora pela falta de aparatos técnicos para tirar histórias do papel. O que resta, neste quase cinema de “guerrilha”, como o brasileiro, é deixar a liberdade nas mãos de tantos cineastas que superaram as dificuldades com a criatividade - um dos paralelos curiosos em 'Noche de Fuego' é a perseguição de uma galinha a lá 'Cidade de Deus' (2002), de Fernando Meirelles e Kátia Lund.  

A história de 'Noche de Fuego' é a de Ana, uma menina que precisa cortar o cabelo “como o de um menino” para não ser levada por um cartel de homens locais. Para a menina, muito jovem, o motivo é os piolhos que assolam o vilarejo, como dizia sua mãe, pois a verdade a ela seria dura e sua ingenuidade custava caro. O vilarejo em que vivem é um local pequeno, na encosta de uma montanha tomada pelos verdes das árvores, onde os adultos trabalham em plantações para seu sustento.  

Então o primeiro contato com o que salta da tela é feito. Sob o sol escaldante, sentimos que o suor e a sujeira das terras vermelhas mexicanas contaminam nossos pés igualmente, nos faz sentir o calor sob a cabeça e, como consequência, o sofrimento daqueles que ali trabalham.

Enquanto isso, Anna e suas amigas brincam de serem crianças, testam até mesmo um jogo de telepatia para que possam se comunicar na presença dos outros, caso precisem. Quando crescem, a ingenuidade aos poucos vai embora e entram à vida adulta entendendo o sofrimento que as espera. O mais interessante são as analogias buscadas ao idealizar um filme em que, grosso modo, mulheres fogem da subjugação agressiva dos homens, o que se traduz em uma triste e soturna poesia, escondida por uma fotografia que é, propositalmente, feia.

Advogo sempre por um cinema que se faz entender e os elementos narrativos estão postos para isto, mas alguns assuntos, principalmente aqueles ainda sonegados pela sociedade, talvez necessitem mais ímpeto. A conexão com Ana e as pessoas do vilarejo são facilmente concretizadas, o desânimo arrebatador do simbolismo se aproxima na mesma velocidade, mas ao esperarmos pelo algo a mais, pelo balanço final do status quo daquela microssociedade, nos frustramos com a chegada dos créditos finais.

A diretora decide por trazer seus problemas sociais sem dar pistas a todos seus espectadores, esperando que a trama funcione universalmente. E se adaptada, aparando algumas arestas e compreendendo que é a ‘velha’ tentativa de subjugar o papel feminino comumente vista, o que funciona como um poderoso recorte social.

O filme esteve na lista dos 15 filmes pré-selecionados para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Internacional com méritos, um grande passo para o cinema mexicano e, principalmente, por mais uma diretora que mostra seu talento a quem quiser vê-la. 


Vale Ver!




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