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'Pajeú' e o medo real do esvanecimento | 2022

NOTA 6.5

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

O cinema de Pedro Diógenes transita entre a necessidade de permanência e o quase inevitável esquecimento. O medo de desaparecer, tanto fisicamente quanto no imaginário, permeia o inconsciente de seus personagens. Assim eram os desgarrados que encontravam algum sentido para suas existências no boteco da melancolia em "Inferninho". Agora, em "Pajeú", o olhar de Diógenes expande esse temor partindo do individual para o coletivo ao trazer à tona uma investigação acerca do desparecimento de um riacho que foi fundamental para a formação de Fortaleza. 

A partir de uma atmosfera pretensamente aterrorizante, que lembra muito o cinema de Marco Dutra e Juliana Rojas sobretudo na presença de uma criatura a emergir do valão nos sonhos de Maristela e no uso da trilha de Vitor C., o filme vai cuidar de sedimentar em nossas mentes o senso de realidade fundamental para sua denúncia. Diógenes opta, então, pelo dialogismo entre as vertentes da ficção e do documentário para jogar luz sobre a ação predatória de certos grupos que, em nome de seus interesses financeiros, destroem memórias. 

A professora vivida por Fátima Muniz será o nosso "detetive atormentado" em busca de respostas. Entre uma atuação mais exagerada nos momentos em que está tomada pelo espírito que lhe confere uma espécie de missão e a naturalidade com a qual extrai depoimentos bastante espontâneos dos entrevistados, este segundo aspecto consegue ser mais proveitoso na reverberação do sentimento de descaso que perpassa uma região transformada pela especulação imobiliária. Diferente, por exemplo, do que ocorre com Clara em "Aquarius", o que move Maristela, além do desaparecimento daqueles que a cercam,  não é a defesa de um apartamento que representa sua história particular e a de seus entes, mas sim a da extensa comunidade da qual faz parte, que, de forma lenta e gradual, foi sendo jogada para as margens da cidade, tendo suas vidas soterradas de acordo com os desvios de curso do riacho que, à semelhança de muitos outros país afora, tornou-se um verdadeiro esgoto a céu aberto.   

Ao olhar para o passado, com visitas a museus e monumentos que evocam a nossa perpétua História de privilégios e sonegações, tanto Maristela quanto o espectador vão sendo tomados pelo mal-estar fruto de uma tomada de consciência dessa destruição que segue a todo vapor. Nesse sentido, o abraço entre a personagem ficcional e uma pesquisadora que há anos se debruça sobre o tema é a representação imagética de uma certa impotência frente ao fim iminente, reforçada por perguntas como "Você tem medo de sumir?".

Embora assoreado pela quase ineficaz interação entre Maristela e o amigo interpretado por Yuri Yamamoto, cujos sussurros pouco acrescentam à psicologia da protagonista, e por sua tentativa quase desesperada (e até gratuita, como nos planos que mostram a tela do karaokê com imagens de aviões despejando agrotóxico em lavouras) de não parecer um documentário convencional, este projeto vencedor do prêmio de melhor filme no Festival Olhar de Cinema do ano passado pretende falar sobre o terror do esquecimento, último estágio do massacre territorial e humano promovido pela elite brasileira, com a anuência de nossa sempre suscetível classe política. 

Se esse outro medo, o de ser reconhecido como um "simples" exemplar desse gênero propício a denúncias, faz com que seu diretor e roteirista recorra a artifícios que acabam diluindo a sua mensagem, tal como nas sequências em que Maristela convulsiona em montagem clipada ou no forçado retorno ao "inferninho", que remete tanto às memórias de seus realizadores quanto às de quem pôde se deliciar com aquele universo exposto no maravilhoso longa de 2018, suas metáforas um tanto óbvias poucos serviços prestam à intenção de atrelar documento e delírio. E, a julgar pelo tom expositivo que vez ou outra acomete "Pajeú", fica difícil não pensar que o esvanecimento das fronteiras entre as linguagens que tenta articular poderia ter sido melhor trabalhado para que tivéssemos uma obra da qual nossa atenção jamais se desviaria. 


Vale Ver Mas Nem Tanto!



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