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'Sorte de Quem?' e os diálogos sinceros que surgem da inércia | 2022

NOTA 6.0

Por Maurício Ferraz @outrocinéfilo 

É curioso como alguns diretores aparecem mais pelas decisões que tomam detrás das câmeras, às vezes por serem mais práticos em mostrar o que devemos encontrar, como guias ríspidos que não permitem que nosso olhar se perca por aí. São escolhas, formas de contar uma história, sugerir e fazer encontrar. Escolhas! E em 'Sorte de Quem?', por exemplo, o diretor Charlie McDowell não se esconde. 

A história é de um casal bem-sucedido que decide passar alguns dias em sua luxuosa casa de campo. Ao chegar lá se deparam com um homem estranho (Jason Segel) dentro da casa, que logo começa a fazer suas exigências.

O roteiro de folhetim e o uso de uma locação, a casa de campo do milionário, é a porta de entrada para que, além do espaço à tensão e a monólogos aqui e ali, o cineasta pudesse experimentar. E é isso que Charlie McDowell faz. O diretor, que curiosamente é marido de Lilly Collins, tem nas mãos um elenco enxuto para demonstrar algumas dessas intenções. Além de Lilly, a curta lista de personagens se complementa com o excelente Jesse Plemons e Jason Segel, com quem o diretor vem de uma recente parceria, dirigindo 'The Discovery' (2017) e um episódio da belíssima minissérie 'Dispatches from Elsewhere' (2020), criada pelo próprio Segel. 

Com os três na casa de campo isolada no meio do nada, o diretor posiciona a câmera para explorar uma maior profundidade de campo, como se ousasse dar espaço para que o casal possa arriscar seu plano de fuga. Igualmente, custa a realizar alguns cortes, até que a poeira possa baixar após cada movimentação mais brusca de seus personagens. Aliado a isso traz abraçado consigo uma trilha sonora que relembra os clássicos dos Anos 60, predominantemente de instrumentos de cordas, como o violino, que intensificam a tensão assim que as notas mais agudas são arriscadas com rapidez. Acontece que a tensão é o oposto perfeito aqui, mas não me entenda mal, não é uma crítica ou mesmo uma falha narrativa debaixo da rede de McDowell.

Esse é um de seus acertos, contrastar o que é visual ao que é sonoro. Dois sentidos, duas sensações opostas. A tensão e a falta dela. Isso porque o homem, praticamente forçado a querer dinheiro, afinal, era a única  razão plausível para estar ali, precisaria aguardar dois dias até superados todos os trâmites bancários de um saque milionário. Então, os três aguardam, juntos, dentro do casarão. A espera é longa,  angustiante e monótona, mas nunca tensa, como a trilha pode sugerir. O ócio toma conta e assim surgem as melhores oportunidades de aprofundar um pouco mais as intenções de cada um deles, em diálogos sobre os motivos do misterioso invasor, a sociedade desigual e os problemas conjugais do casal milionário que aos poucos começam a surgir, até que culminem em uma reviravolta, lá no terço final, totalmente inesperada e cheia de simbolismos.

O que me incomoda, particularmente, nesse conjunto é o uso excessivo das pistas jogadas para que possam voltar com alguma importância mais à frente. O tal "guiar o olhar" nesse caso perde a força por tornar banal o que deveria ser sutil e descoberto aos poucos pelo público. Um exemplo, e arrisco colocá-lo aqui para ficar mais claro,  é mostrar três vezes que as botas do invasor precisam ser frequentemente amarradas. Assistida essa cena pela segunda vez o espectador, desanimado como estive nesse momento, costuma pensar: "Ok, o que vai acontecer com as botas deste homem?". E esse pensamento é o estopim para a desconexão com a história que Charlie nos conta.

Ainda assim, o roteiro menos complexo flerta com as probabilidades (e daí o título) e se estrutura como uma comédia de erros, não muito simpática, é verdade, mas que até consegue bons frutos, principalmente pela força de seu elenco. 


Vale Ver Mas Nem Tanto!



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