Adsense Cabeçalho

'The Batman' : Matt Reeves evoca face clássica do herói em detrimento da brutalidade | 2022

NOTA 10

Eles acham que eu estou escondido nas sombras. Mas eu sou as sombras.

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

A música 'Something In The Way', eternizada na voz de Kurt Cobain, traz uma passagem em seus versos que diz: "e os animais que capturei, todos se tornaram meus bichos de estimação". A escolha da canção do icônico álbum Nevermind (canção essa que aparece pontualmente no decorrer do filme e também reverbera nos acordes ora pulsantes ora intimistas da trilha sonora magistralmente composta por Michael Giacchino) foi a cereja do bolo para consolidar o que o diretor Matt Reeves queria fazer com seu Batman: criar um herói que refletisse a cidade e, sem perceber, criasse nela um vínculo de dependência. Reeves escreveu, ao lado do co-roteirista Peter Craig, uma introdução pesada ao novo arco do Batman nos cinemas sem necessariamente recontar a história de "origem" do órfão Bruce; todavia, a exploração do evento traumático de sua infância se dá no dissecar das camadas do homem que ainda abriga o menino que era vinte anos antes. Apesar de jovem, vê-se o peso da responsabilidade que carrega e questiona-se qual seria o alter ego de quem, Bruce ou Batman. Bruce não se veste de Batman, Bruce é o Batman - e isso rende a melhor abordagem do personagem já feita nos cinemas. Essa é a primeira vez que Batman é apresentado enfaticamente como um detetive, e o roteiro consolida isso com acenos a 'Ano Um' e 'O Longo Dia das Bruxas', que se tornaram algumas das tramas mais consagradas do herói.


Falando em herói, existe aqui um quê da
'Watchmen' de Alan Moore, resgatando o debate moral de "quem vigia os vigilantes?" enquanto o homem sob o traje de morcego se anuncia como Vingança e cria sua reputação nas sombras. Batman não inicia o filme como um herói, mas sim como justiceiro (mesmo embora abdique desse título e se aproprie de um nome que se mostre com um caráter mais pessoal aos criminosos). É aqui que os tais "animais capturados que se tornam pets" do Nirvana se fazem entender, quando Batman vê um dos terroristas que captura se identificar, de igual maneira, como Vingança. Dizem que quando se olha tempo o bastante para as trevas elas olham de volta para você, e o Batman, que se diz ser as próprias sombras na cidade deveras sombria que Gotham é, sempre encontra um espelho na escuridão. Desse modo, a semelhança com o já citado 'Watchmen' (nesse caso com o filme de 2009, dirigido por Zack Snyder) se faz também na maneira como a cidade e o herói são apresentados, com uma narração em off expondo a opinião do vigilante mascarado acerca da cidade que defende. A jornada de amadurecimento entre "vingança" e "herói" passa, obrigatoriamente, pela autoconsciência que leva a assumir uma postura não mais de vingança, mas de justiça - e o Batman da vez é um primor em construir essa jornada.

O 'Batman' de Matt Reeves é uma odisseia de aprendizado onde acompanhamos o protagonista em seu segundo ano de serviço comunitário, por assim dizer. A trama se desenvolve ao redor de uma semana em Gotham - período de tempo que é frisado através de um diário que Bruce escreve enquanto avalia seu próprio desempenho como combatente do crime. A Gotham de Reeves é um organismo vivo, um personagem vibrante do todo que o filme é. Gotham e Batman respondem às ações um do outro, e acabam se tornando uma coisa só quando a noite cai; tanto é que Reeves estabelece a reputação do Batman através do olhar dos criminosos da cidade, os ratos dos becos sujos como uma predisposição involucra à violência. Robert Pattinson encarna com excelência os dilemas e a determinação tanto de Bruce quanto de Batman, e se mostra o melhor performista para a dual persona que já se viu no cinema até o agora. Há uma química absurda na parceria entre o Batman de Pattinson e o Jim Gordon de Jeffrey Wright, e a qualidade se estende ao restante do elenco. Atuações perfeitamente ajustadas de Zoë Kravitz, Colin Farrell, John Turturro e, é claro, Paul Dano - que entrega uma encenação visceral do Charada, capaz de se impor como ameaça intelectual e demagoga à cidade e ao Batman. Seja na construção do ambiente ou na sugestão da violência (que surge no desfoque proposital da lente), o filme de 2022 é mais um marco de Reeves a ser superado.


Super Vale Ver!




Nenhum comentário