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'Mar de Dentro' e as águas turbulentas de uma maternidade romantizada | 2022

NOTA 7.5

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo

É no cinema que as histórias sobre a maternidade ganham espaços mais lúdicos ao serem debatidos abertamente, longe do que é usual à sociedade que se conserva e se reduz a enxergar (nas mulheres) um papel romântico e fantasioso do “ser mãe”. Um marco, um momento de realização que é encarado por cada mulher de uma maneira, pelas camadas que dependem exclusivamente da construção social única. Para manter o argumento, recentemente 'A Filha Perdida' (2021), filme que rendeu a Olivia Colman uma merecida indicação ao Oscar de Melhor Atriz, abordava algo parecido. A vida de uma mãe que descobre na ideia ‘vendida’ pela sociedade um presente mal embrulhado que percebe não ser a realização que lhe prometiam, sem que houvesse espaços para qualquer julgamento, pelo bem ou pelo mal. E assim, este ciclo está detido pela pressão que a cerca, a ‘função’ de ser mãe e ser mulher.

Manuela (Monica Iozzi) é uma mulher bem-sucedida profissionalmente e descobre uma gravidez inesperada. O filho é de Beto (Rafael Losso), um homem com quem tem um relacionamento recente. À primeira vista, o baque dá indícios do que virá. A descoberta não é mágica. Longe disso, é um momento de angústia. Ter que dar esta notícia, igualmente. Mas, não bastasse o casal acuado, o filho que nem havia nascido perde o pai subitamente. Agora mãe solteira, de primeira viagem, inexperiente aos olhos do mundo, Manuela traz consigo o olhar abatido da mãe vestida pela sociedade que a cerca. Vestida com os desejos que deveria ter, com os sorrisos que deveria carregar pela maternidade e a realização que é disso tudo consequência. Não é!

Esta é a liberdade para a diretora Dainara Toffoli desenvolver um estudo de personagem, ao lançar conflitos e consequências para tratar de um assunto, geralmente, indizível. Ora, como poderia uma mãe não se realizar ao sê-lo? Os contrastes que cria pela montagem servem para advogar em favor de seu argumento, estabelecer um lado como se fossem os prós e os contras, cuidando para não julgar com certezas. As dificuldades de uma criação solo, por exemplo, o corpo que muda ou mesmo o impacto na carreira da mulher, que, inclusive, resulta na corriqueira demissão em casos semelhantes, num arranjo que clama por uma produtividade mesquinha. É isso que confere a força vocal ao argumento nas lentes da diretora, como se pudesse fazer sua personagem não encontrar o deslumbre no que a todos é comum. Com a proximidade da câmera, aposta deliberadamente em mostrar o olhar cansado, um choro desesperador e a sensação de abandono que se avizinha para Manu, numa atuação, igualmente minimalista e expansiva, quando necessária, de Mônica Iozzi que toma a frente e enche a tela.

Tudo culmina, ao final, em uma metáfora belíssima, que encerra o ciclo de forma poética, ao equiparar, num jogo de câmera bem pensado, o mar agitado que se espreme para aparecer na janela ao fundo, enquanto a mãe se aninha com seu filho. É assim que o 'Mar de Dentro', que dá nome ao filme, é o mar que é íntimo e se acalma, e que, se comparado ao externo, não representa mais perigos à Manuela. O 'Mar de Dentro' é o mar ideal em que as águas se acostumam, podem se arranjar ao redor das pedras (obstáculos) e ali pertencer.  


Vale Ver!



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