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“Quem Tem Medo?” documenta o atual desmonte do setor cultural brasileiro e a escalada de violência contra artistas | 2022

NOTA 7.0 

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

- Isso é arte ou política?!   - Os dois: isso é arte e política!

Há poucos dias, a Lei Paulo Gustavo, que tem como principal objetivo amenizar os impactos da pandemia no setor cultural, foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, ato este que se junta a uma leva de ataques orquestrados pelos representantes do atual Governo contra nossa classe artística. Desde que assumiu o posto mais alto do Executivo, a dita ala conservadora tem travado uma verdadeira guerra contra o setor que, já no primeiro dia, viu seu ministério ser rebaixado ao posto de secretaria especial, tendo figuras como Regina Duarte, Roberto Alvim, Mario Frias e, agora, Hélio Ferraz de Oliveira colocando em curso um projeto de desmonte que elegeu como principal inimigo a diversidade. Assim, chegamos ao terrível número de 130 obras censuradas (majoritariamente aquelas que trazem temáticas ligadas a minorias sociais) e uma escalada de violência virtual e física que põe em risco a integridade de muitos profissionais da área.  

A classe artística brasileira nunca foi das mais privilegiadas pelas políticas públicas de incentivo, principalmente se compararmos com outros setores que englobam nossa economia. E não me refiro aos astros consagrados da TV e da música, embora haja formas de contemplá-los também. Direciono meu olhar para aqueles que batalham diariamente para que seus pequenos projetos cheguem ao público. Isso sem falar na pecha de "vagabundo" que muitos artistas independentes recebem de uma parcela grande da sociedade, rótulo que vem acompanhado de ainda mais rancor quando o autoproclamado "cidadão de bem" descobre que parte dos impostos pagos por ele foi utilizado para viabilizar um espetáculo que não condiz com suas crenças. E os inimigos da Lei Rouanet - que fazem silêncio diante de um sem-número de auxílios para parlamentares com salários acima dos 30 mil - ganharam ainda mais força com a escalada ao poder da extrema-direita, e seu deturpado senso de moralidade, nos últimos cinco anos. A discussão sobre os efeitos desse cenário preocupante é o que mobiliza a narrativa de "Quem tem medo?".

Destaque do recém-encerrado Festival É Tudo Verdade, o documentário, que não sofre da atual preocupação em ser rebuscado que acomete a nossa safra recente do gênero, abre espaço para depoimentos aterradores de artistas ameaçados por grupos reacionários, geralmente respaldados - e até motivados - por uma ala do setor político brasileiro, que se colocou como guardiã dos valores da tradicional família brasileira - seja lá o que isso signifique. O longa dirigido por Dellani Lima, Henrique Zaroni e Ricardo Alves Jr. relembra casos como o de Maikon K, performer paranaense que foi acusado de pedofilia após ser tocado no pé por uma criança em apresentação na qual atua nu, episódio que resultou em mais de cento e cinquenta ameaças de morte contra ele. Em paralelo às falas de membros da classe artística que de alguma forma foram vítimas dessa onda reacionária, a montagem exibe momentos simplesmente assustadores em que senadores e deputados despejam os maiores impropérios tendo como alvo manifestações artísticas e seus profissionais, inclusive estimulando punições que utilizam técnicas de tortura. 

Essa verdadeira cruzada hipócrita, cujos soldados fanatizados respondem a estímulos de generais da fé do nível de Marco Feliciano e Magno Malta, tenta minar aquilo que a arte tem de mais transformador: sua capacidade de nos colocar diante do diferente. E, ao tornar deliberadamente artistas alvos das mais variadas formas de violência, esses representantes públicos trazem à tona o mesmo clima de censura e medo que assolou o País no período da ditadura militar: "Você sente um adensamento no ar, uma sensação de chumbo...", desabafa o diretor de teatro Pedro Kosovsk. E quando, nessa sobreposição de absurdos, relembramos que já tivemos a lamentável reprodução de um pronunciamento nazista protagonizado pelo então secretário Roberto Alvim (autor de pérolas como "Não é censura, é curadoria.") tomamos a real dimensão da profundidade do poço no qual a sociedade brasileira se enfiou.  

Contudo, apesar do medo que naturalmente surge frente ao ódio, artistas seguem corajosamente gritando e apontando o dedo para os retrocessos defendidos por tais grupos e a selvageria de seus atos. Isso porque a arte é a arma do bom combate. É através dela que esses corpos e vozes marginalizados encontram formas de ser e pensar no mundo. Por isso, faz muito sentido a resposta dada à provocação feita por um espectador durante o espetáculo "A Mulher Monstro", em diálogo relatado por um de seus criadores e reproduzido no início desse texto. Arte e política – em suas mais diversas acepções - sempre caminharam juntas. Uma obra pode impactar quem entra em contato com ela e, com isso, proporcionar reflexões que quebrem modelos estabelecidos. Assim como também pode servir de instrumento de dominação e extermínio para ideologias que visam sobrepor-se a outras. Qual delas você teme?


Vale Ver! 




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