'@Arthur Rambo – Ódio nas Redes' : Laurent Cantet e a internet como uma ‘terra com leis’ | 2022
NOTA 7.5
Por Maurício Stertz @outrocinéfilo
A liberdade de expressão sempre esteve em voga, intrínseca à política desde antes mesmo da Internet virar meio facilitador aos discursos. Há, porém, uma responsabilidade ética ao fazê-lo, não preciso nem dizer, algo que vem sendo deturpado em nome de uma estranha ‘liberdade total’ encontrada em bibliografias por aí. A Liberdade e Limites parecem antônimos, é verdade, mas a ética nos coloca questionamentos que vão além: até onde vai nossa liberdade? Pensemos sobre isso!
Porque é debaixo de um guarda-chuva de liberdades supostamente adquiridas que se tem o limiar que branda a ação de pessoas em discursos que disseminam o ódio, seja a quem for. Penso, por outro lado, na sociedade virtual, as redes sociais, num conceito parecido com a ‘mão invisível’ e reguladora que Adam Smith, um liberal confesso, utilizou de figura de linguagem para falar do mercado. A internet é ‘terra com leis’ e se encarrega de regular a justiça dentro de seus limites, apontar erros e acertos, ser júri e executor de sentenças. Uma ferramenta que é meio de ascensão à fama, mas é o chicote que retorna para cobrar o preço do fracasso. E a tal cultura do cancelamento, o movimento de ódio aos que odeiam, um certo cuidado: “Faça como eles e será um deles”, diz o ditado.
A premissa de '@Arthur Rambo – Ódio nas Redes' segue por estes caminhos.
Karim é um escritor dos bons. Filho de argelinos, seu livro sobre a vida numa família de imigrantes vira best seller nas livrarias francesas. Karim verbaliza sua situação e a de todos imigrantes e refugiados que chegam aos países europeus em busca de vidas melhores. Entretanto, a noite de comemorar a publicação reservava um certo sadismo, quando algumas de suas postagens de ódio numa rede social vêm à tona. A história é baseada em eventos reais da vida do escritor Mehdi Meklat.
A direção é de Laurent Cantet, responsável pelo belíssimo 'Entre os Muros da Escola', ganhador da Palma de Ouro no Festival de Cannes, em 2009. Assim como desenvolveu uma microssociedade escolar e culturalmente diversa na oportunidade, Cantet aproveita para trazer um pouco desses aspectos com um ponto chave para debater questões sociais, mantendo um tom documental para retratar o dia a dia de Karim após o baque. A câmera fica encarregada de o seguir pelas ruas francesas, enquanto ele se apequena diante da situação e da pressão social dos executores virtuais.
Da xenofobia surge um dos discursos basilares do filme. Os espaços entre os diálogos reforçam o papel cultural e a força contrária de certa parte da população neste choque de civilizações. Karim chega a um pedestal de ativista com poder de fala, o que é um desafio constante, e deixado claro a todo momento, na ascensão de sua carreira de jornalista.
Há uma clara tentativa em julgar Arthur Rambo (o pseudônimo) como a persona por trás de Karim – ou seria Karim um pseudônimo mais brando? -. Há também a necessidade de julgar a tal “cultura do cancelamento”, termo novo que a psicologia ainda desvenda. Cantet reforça o papel da sociedade digital de se autorregular e tenta desnudar as críticas e as motivações escondidas detrás de avatares ou àqueles que surgem na vida real e estampam na cara a frustração com Karim. Tenta, por outro lado, encontrar as motivações de Karim fazer o que havia feito.
Assim como entende o papel de mediador, o diretor não julga os certos e está pra lá de ciente que dois erros não fazem um acerto. Documenta as ações e suas reações e entrega o debate incansável sobre os limites e a liberdade de expressão ao espectador que precisa refletir sobre cada um dos lados.
É entender que as sociedades virtuais se aglomeram em uma estrutura descentralizada e confusa, porém única, como um não-lugar, que lhe permite ser invertebrado em estrutura e apenas seguir suas tendências. Uma selva com suas leis.
Vale Ver!
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