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'Emergência' : um debate complexo nas entrelinhas do humor | 2022

NOTA 8.0

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo 

Kunle e Sean são dois jovens prestes a se formar. Como despedida do High School americano, Sean, o mais despojado entre os dois, pretende arrastar o amigo, estudioso e com um futuro brilhante no horizonte, para uma jornada de bebedeira em sete festas diferentes na mesma noite, feito que os colocaria no Hall da Fama Escolar como os Primeiros Negros a realizarem tal proeza. O filme já se  inicia com este sentimento de pertencimento e conquista que motiva os dois, afinal, seriam marcos raciais em uma sociedade que cede poucos espaços.

Entretanto, antes mesmo de chegarem ao local de partida (a primeira festa em uma fraternidade qualquer), encontram na sala de casa uma garota adolescente desmaiada no chão, possivelmente o resultado precoce de uma das festas, pensam eles.  O primeiro dilema está posto e a tomada de decisão de chamar ou não as autoridades para acudir a garota está influenciada por um triste histórico racial de confronto e, como consequência, uma quantidade enorme de ruas sem saída dali para frente com a opção que escolhem.

Desde o início o diretor Carey Williams despista a audiência a fim de trazê-la para perto e poder tratar de assuntos mais complexos como as questões raciais. Antes as cenas são preenchidas com cores vivas e diálogos bem humorados, ainda que os dois presenciem pitadas de conflitos sociais aqui e ali, como a professora que abertamente utiliza termos pejorativos pelo “bem” da linguística acadêmica. Conforme a narrativa avança, a composição vai escurecendo enquanto a noite chega, os semblantes mudam e a tensão, o drama e os conflitos são intensificados ao máximo, assim que a 'Emergência', que o título sugere, ganha vitalidade na vida dos garotos.

O mais interessante é a suavidade dessa transição, numa subversão total das expectativas do espectador (ao menos para mim). A comédia descompromissada dá lugar a um debate que urge por espaços e assume, por fim, seu destaque.

Se Sean e Kunle parecem ter as melhores intenções possíveis para lidar com a situação e deixar Emma em segurança (nome que descobrem enquanto a garota entreabre os olhos), o dilema “chamar ou não” as autoridades vem carregado de um argumento válido: a própria segurança e o medo de serem tratados de maneira diferente por serem quem são. O histórico se encarrega de explicar isso e o argumento central de 'Emergência' é, com certeza, o “peso” de cada uma das vidas.

Dentro deste assunto denso, a cada guinada o roteiro permite um alívio cômico para mascarar (um pouco) a dor de seus personagens. Penso em Atlanta, série desenvolvida e protagonizada por Donald Glover, em que o humor condiciona mostrar situações e atitudes, mas não se esquece de escancarar à reflexão ao espectador ou demonstrar as marcas obtidas.

Enquanto isso, Kunle e Sean, interpretados por RJ Cyler e Donald Watkins, se aproveitam de algumas "escadas", como o estereótipo adolescente e preocupado com o ativismo apenas das redes sociais de Sabrina Carpenter, para que fortaleçam seus laços de amizades e se unam contra todo o resto.

A opção pela sátira e o absurdo faz de 'Emergência' um filme encorpado, além de atento à sua responsabilidade de argumentos, com as condições para discursar em prol de uma causa, sempre com o bom humor debaixo do braço, caso precise.


Vale Ver!



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