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“Ilusões Perdidas”: mordaz adaptação do clássico de Balzac revigora o debate sobre o preço das ideologias l 2022

NOTA 9.0

“Verdade ou mentira... não se perdia tempo com este tipo de detalhe.”

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

Sempre que surge uma nova adaptação para um clássico da literatura, uma pergunta inevitavelmente surge em nossas cabeças: como tal obra se comunica com o presente? E, embora publicada em partes entre os anos de 1836 e 1843, é possível dizer que “Ilusões Perdidas”, do célebre autor francês Honoré de Balzac, dialoga de forma bastante direta com o nosso tempo.     

Consciente de todos os perigos que a decisão de se levar às telas um cânone literário, com suas imponentes setecentas páginas, o diretor Xavier Giannoli (“Marguerite”) opta inteligentemente por não tentar dar conta de todos os acontecimentos da obra matriz, pecado este que geralmente acomete produções de mesmo perfil. Para isso, ele condensa ao máximo possível a primeira parte do romance, que apresenta a vida na pacata província de onde vem o jovem Lucien Rubempré, e avança sem pestanejar para o seu tomo mais debatido: “Um grande homem da província em Paris”.

A intenção de Giannoli é lançar o quanto antes a pureza apaixonada do aspirante a poeta na fogueira de vaidades que é a capital francesa da primeira metade do século XIX. Com isso, o longa reserva boa parte de seus dinâmicos 150 minutos (uma façanha para projetos deste tipo) para o processo de ascensão e queda de Lucien ao passo que tece comentários mordazes sobre a mercantilização do talento literário e da opinião crítica, dando mostras de que o conceito de fake news não é algo tão novo quanto se imagina. É nas cenas dentro da redação para o qual o ambicioso rapaz escreve ferozes artigos sobre teatro e literatura que “Ilusões Perdidas”, para além das desventuras amorosas que transformaram a obra numa referência do Romantismo na Europa, prova-se ainda relevante e universal por conectar-se fortemente com o que vivemos na atualidade, sobretudo quando pensamos na importância de uma imprensa isenta.

Absorvido por aquela dinâmica que aproxima os jornalistas ali retratados das prostitutas com as quais se divertem, o protagonista não percebe o quanto vai se afastando de sua essência como poeta: “Já não sei se o livro é bom ou ruim”, reflete após a leitura de uma obra que precisa massacrar. Neste jogo de imagens construídas sem qualquer escrúpulo e distante da noção de verdade, no qual olhares e sorrisos se transformam em enigmas, as relações se mostram ao mesmo tempo intensas e frágeis, numa ciranda de posicionamentos que jamais deixam de soar críveis graças ao ótimo roteiro elaborado por Jacques Fieschi e pelo próprio Giannoli.  

Esbanjando nomes como Vincent Lacoste, Xavier Dolan (diretor de longas aclamados como “Mommy”) e Gérard Depardieu no elenco de coadjuvantes, esta caprichada produção vencedora de seis prêmios César conta ainda um promissor Benjamin Voisin para encarnar um protagonista que representa o quão volátil é o caráter humano. E cada transição nesta jornada trágica da perda da inocência numa engrenagem social corrompida é perfeitamente estampada nas expressões do ator. Ora na aparente timidez ao declamar um poema sob o olhar fulminante de uma aristocracia que o vê como pária, ora extasiado enquanto flutua no auge de sua prepotência, não há ilusão que não transpareça em sua atuação, assim como as consequentes ruínas que se sobrepõem. Derrocada da arrogância juvenil expressa no último olhar para um horizonte agora em fuga, algo que outro poeta, um Cazuza também embebido nas tintas de Balzac, versou em canção que recupera sua crítica aos que vendem, assim como Lucien, seus princípios em nome dos ideais burgueses:

E as ilusões estão todas perdidas
Os meus sonhos foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito
Ah... Eu nem acredito


Super Vale Ver!



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