'Esperando Bojangles' é a história de um amor imerso na loucura | 2022
NOTA 9.0
Por Rogério Machado
A canção 'Mr Bojangles', orginalmente gravada por Jerry Jeff Walker em 1968 e depois regravada dezenas de vezes, até por Nina Simone - onde inclusive é citada no livro da qual o longa de Régis Roinsard é baseado -, tem ares melancólicos mas ao mesmo tempo fala de alguém que não pode parar de dançar, alguém que deve manter-se em movimento ainda que a tristeza esteja ao redor. Não deve ser uma coincidência se olharmos para a protagonista de 'Esperando Bojangles', (filme de destaque na programação do Festival Varilux de Cinema Francês), que tem uma aura efusiva e inquieta, mas carrega consigo esse mesmo olhar melancólico sentido na clássica canção country.
Na história conheceremos o magnético casal Camille (Virginie Efira) e Georges (Romain Duris).Os dois são perdidamente apaixonados um pelo outro e vivem como se não houvesse amanhã. Em sua casa só há espaço para diversão, fantasia e amigos. Até que um dia Camille, uma mulher hipnotizante, cede à loucura e começa a ter ações desconexas e imprevisíveis. Assim, Georges e seu filho Gary (Solàn Machado-Graner) precisam mantê-la segura.
Conforme os dias passam, o ar melancólico de Camille vai dando lugar à uma insanidade incontrolável, e o que antes parecia palpável e e até atraente para Georges, dá lugar à insegurança de dias instáveis, onde felicidade e paixão se misturam a sentimentos como medo e impotência. Esse mix é aproveitado em sua totalidade por Roinsard, numa condução tão correta e magistral, que essa crescente de loucura vai sendo introduzida com muito cuidado, margeando entre o drama e o humor de forma tão discreta e delicada que quase não percebemos a diferença entre eles. Soma-se isso à personagens com nuances e camadas que vão se revelando com minúcias e paixão frente a audiência. A trama não subsistiria sem grande performers em cena - é uma trama onde o trabalho de ator é ainda mais requisitado.
Vida real e fantasia. Loucura e sanidade. Essa dicotomia de narrativas é a roda que move essa engenhosa engrenagem proposta por Roinsard. 'Esperando Bojangles' são muitos filmes dentro de um só, abraça muitos formatos com tamanha organicidade, que, apesar de notarmos a mudança das tintas nesse quadro complexo, nada é desarmônico. De uma abertura solar, vibrante e esbanjando 'mise en scènes' até seu desfecho soturno e dramático, muitos gêneros passam diante do público: romance, comédia e até musical completam essa ciranda orquestrada com traços de desvario, assim como a mente inquieta de Camille, que vive as quatro estações do ano em apenas um dia.
'Esperando Bojangles' é uma história de amor cheia de reviravoltas e muita paixão. Roinsard, responsável por esta adaptação para o cinema, tinha uma narrativa incomum e ousada, mas que logra êxito pela parceria deliciosa de Romain Duris e Virginie Efira ('Benedetta' -2021), esta última uma das grandes estrelas do cinema francês da atualidade. São trabalhos dessa plenitude que me fazem lembrar porque o cinema existe. 'En attendant Bojangles' (no original) é com toda certeza um dos melhores longas pinçados pela curadoria do Varilux 2022.
Super Vale Ver!
Deixe seu Comentário: