'O Contador de Cartas' : a nova jogada de mestre de Paul Schrader | 2022

NOTA 9.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

Em nova parceria com Scorsese (aqui como produtor), Paul Schrader volta a falar de figuras atormentadas por seus feitos militares. Se em "Taxi Driver", a Guerra do Vietnã foi fundamental para o esfacelamento psicológico de Travis Bickle no clássico de 1974, o período como interrogador/torturador na base de Guantánamo será algo do qual o personagem vivido por um espetacular Oscar Isaac  não conseguirá se livrar tão facilmente. Seu traço metódico (e melancólico) instiga o espectador e fica óbvio que se trata de uma bomba-relógio ambulante só esperando o estímulo "certo". 

Na luta do protagonista por autocontrole através dos padrões que procura nas cartas, enquanto tenta conter a ânsia vingativa do personagem de Tye Sheridan, reside muito do fascínio despertado pelo longa. Para completar a trinca de desgarrados a vagar pelo grande cassino que são os Estados Unidos - personificado como adversário, inclusive -, surge La Linda (Tiffany Haddish), uma envolvente financiadora de jogadores talentosos. 

Evocando mais uma vez o cinema de Robert Bresson - sobretudo "Pickpocket" -, Schrader cria uma obra equilibrada em sua estilização que, assim como em "First Reformed", trabalha com planos discretos bem ao gosto do mestre francês, mas que, em momentos específicos sabe romper com isso, através de distorções bastante expressivas das imagens, como nos flashbacks que retratam o horror dos treinamentos capitaneados pelo personagem interpretado por Willem Dafoe. 

Nessa alternância entre a secura bressoniana - presente por exemplo, na sequência do acerto de contas - e um romantismo bem peculiar dentro daquele universo, ao abrir espaço para um casal emblemático na sua representatividade e já é dono de uma das cenas mais encantadoras do ano, "The Card Counter" (no original) parece, por vezes, um jogo de cartas marcadas. Contudo, as mãos habilidosas de Schrader estão sempre prontas para sacar um ou outro trunfo que deixa o espectador com os olhos vidrados na mesa o tempo todo. 

Super Vale Ver!