'Peter Von Kant' : adaptação da obra de Fassbinder é sátira afiada do mundo das celebridades | 2022
NOTA 8.5
Por Rogério Machado
Eis que cinquenta anos depois do lançamento da obra original, é François Ozon, um dos expoentes (e meu cineasta preferido) na Francofonia, o encarregado de adaptar 'As Lágrimas Amargas de Petra von Kant', um dos grandes filmes da vasta cinematografia do realizador alemão Rainer Werner Fassbinder, que em tão pouco tempo (cerca de 16 anos em atividade, até sua morte em 1982) contribuiu tanto para a história do cinema alemão, que com digital marcante, de forma seca e às vezes alegórica, criticou o mundo burguês e, em especial, a Alemanha do pós-guerra e sua integração ao mundo ocidental, regida pela influência dos EUA.
Vanguardista, Fassbinder, lá pelos idos de 1972, usou o protagonismo lésbico para narrar sua trama, e hoje ao invés de duas mulheres, Ozon opta por construir sua adaptação com dois homens de idades diferentes. 'Peter Von Kant', seu mais novo projeto, é o segundo filme em cartaz do realizador em terras brasileiras em menos de um mês, 'Está Tudo Bem', que discute a morte assistida, chegou por aqui mês passado em circuito comercial.
Nessa versão livremente adaptada da obra de Fassbinder, Denis Menochet é Peter von Kant, um diretor de cinema de sucesso que mora com seu assistente Karl (Stefan Crepon), a quem não perde a oportunidade de maltratar e humilhar. Certo dia, Sidonie (Isabelle Adjani), uma grande atriz que foi sua musa por muitos anos, o apresenta a Amir (Khalil Ben Gharbia), um jovem simples de origem Árabe e muito bonito. Peter imediatamente se apaixona por Amir e se oferece para dividir seu apartamento com ele e ajudá-lo a se tornar uma estrela do cinema.
Na versão original a protagonista era uma famosa estilista e nessa um diretor de cinema. Na certa uma escolha a fim de homenagear o autor e ao mesmo tempo alfinetar a indústria e tudo a seu redor. Contudo, como estamos diante de um projeto sob a demanda de Ozon, o universo aqui é exposto com doses de sátira à cultura da celebridade e críticas ao círculo vicioso em que dezenas de pessoas estão inseridas em função da busca pelo estrelato. Ozon não usa de meias palavras, e quando não apela para uma ironia discreta é exacerbadamente verborrágico, traduzindo sua mensagem através da excepcional performance de Menochet, que imprime uma nuance afetada, descontrolada e às vezes blasé ao personagem título.
Ainda que a trama seja pautada pelo exagero, há que se pontuar a reflexão proposta por Ozon, característica muito comum aos seus projetos. Se há espaço para a afetação, também há espaço para evocar o amor por interesse e a solidão em que muitos que vivem sob os holofotes estão inseridos, onde nem a fama e nem o dinheiro são capazes de preencher vazios. O desfecho soluciona questões assim como deixa dúvidas acerca das motivações e intenções dos personagens, o que é mais uma faceta genial de um roteiro - também assinado por Ozon - que não entrega tudo de cara.
Com 'Peter Von Kant', François Ozon (de tantos títulos irretocáveis como 'Dentro de Casa'- 2012 , 'Graças a Deus'- 2019 e 'Frantz'- 2016) não oferece o melhor de sua forma, mas segue numa trilha de alto nível, propondo um cinema cada vez mais instigante e provocativo.
Vale Ver!
Deixe seu Comentário: