'Thor: Amor e Trovão' é o filme mais casual do filho de Odin - e isso é necessário | 2022
NOTA 9.0
E lá vamos nós…
Por Vinícius Martins @cinemarcante
Me recordo de uma época, não muito tempo atrás, em que um filme podia ser apenas um filme - isto é, sem a condenação dos extremos - e não havia problemas nisso. Cinéfilos como eu tratam filmes como eventos, claro, mas ainda assim existe uma consciência crítica acerca do quão profundas as camadas de uma obra podem e/ou devem ser, variando de acordo com a proposta. Hoje em dia existe uma pressão sobre o cinema que dita "ame ou odeie", e isso está desgraçando a compreensão da sétima arte. Um filme não pode mais ser apenas mediano, não; ele tem que ser o súpero de todos. Quando um filme era só um filme éramos mais felizes, com ares despretensiosos e sorrisos avantajados ao encarar o entretenimento pelo entretenimento, sem a obrigatoriedade das constantes sequências desses universos compartilhados em que impera a máxima de "maior e melhor" para os filmes que ainda virão.
Parece que fica sempre à obra da vez a tarefa cretina de superar o antecessor, e isso termina por minar em vários aspectos a liberdade criativa e a assinatura de grandes realizadores. Agora tudo é 8 ou 80, épico ou lixo, perfeito ou deplorável. Não existe mais um meio termo, onde as obras que não devem ser levadas tão a sério (e nem querem) encontram um lugar na memória coletiva. Esse é exatamente o lugar que 'Thor: Amor e Trovão' procura ocupar, e é realmente uma pena que a atual horda de cinéfilos insista em roubá-lo de lá.
Taika Waititi é um dos realizadores mais excêntricos da atualidade no meio cinematográfico. Somente um intérprete de Hitler cuja origem judaica é um dedo médio erguido ao nazismo (vide 'Jojo Rabbit') poderia conceber a despirocagem artística religiosamente debochada e cheia de cores saturadas que 'Thor: Amor e Trovão' é em todas as suas passagens, desde as mais infames e fetichistas (como uma referência a golden shower) até a mais sensível, com vislumbres de um passado até então inédito entre 'Thor: O Mundo Sombrio' (2013) e 'Vingadores: Era de Ultron' (2015). Há uma cafonice inerente, que se faz constante e cresce sob o olhar outorgado e o intelecto perturbado (leia genial) de Waititi.
O quarto filme "solo" do Thor é a beleza pela beleza, a piada pela piada, e a ameaça pela ameaça, sem conexões intrinsecamente diretas em sua trama principal com o restante do MCU (mesmo com a presença pontual dos Guardiões da Galáxia). Isso é ruim? Nesse caso, graças ao talento do diretor, não. Continua sendo um filme da Marvel, mas sem a necessidade de se provar como um. Na verdade, esse desprendimento acaba se tornando um traço identitário à obra dentro do universo a que pertence, onde tudo aparenta ter que possuir um motivo maior para existir. Seu caráter episódico é rico e cheio de detalhes que preenchem todos os espaços da tela de tal modo que alguns frames se exibem como pinturas renascentistas.
Com uma cartela musical que compila sucessos de Guns'n'Roses e evoca toda a irreverência sonora dos anos 1980 com a alma aberta a ser adorado ou detestado, 'Ana Raio e Zé Trovão' 'Thor: Amor e Trovão' se mostra indiferente e superior, oferecendo o espetáculo pelo espetáculo - e isso é fantástico. Alguns filmes não estão nem aí se serão amados ou odiados, pois não foram feitos para atender as demandas haters de pseudofans que sempre buscam um novo alvo para destilar seu ódio existencial.
'Doutor Estranho no Multiverso da Loucura' se tornou vítima das altas expectativas que giravam em seu entorno, e sua recepção sofreu duras críticas não somente pelos equívocos do roteiro, mas principalmente pela frustração de quem depositou nele a esperança de ver a sua própria versão da história. A ambição de alguns filmes não é ser superior aos demais, mas sim apenas cumprir seu papel; e isso 'Amor e Trovão' faz com muitos louvores. É um filme mediano? Há quem diga que sim - e caso seja mesmo, não há deméritos nisso. Contudo, tomando isso como verdade, devo enfatizar: dos filmes medianos da Marvel, ele conseguiu se provar o melhor.
Super Vale Ver!
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