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'Não! Não Olhe!' : Jordan Peele subverte o óbvio e cria terror através da suspensão generalizada | 2022

NOTA 9.0

Eu não falei pra você que esse desgraçado ia chegar aqui com uma câmera manual?

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

O cinema hollywoodiano tem apresentado cada vez mais consciência sobre seus absurdos. Filmes que denunciam abusos e condutas imorais tem ganhado espaço nos últimos anos e, mais uma vez, Hollywood usa a própria monstruosidade para fazer dinheiro. Em 'Não! Não Olhe!', do inventivo diretor Jordan Peele, não é diferente; aqui a ameaça alienígena é uma parábola inusitada para mostrar a ilusão de controle que se tem sobre os comportamentos de criaturas não-humanas, e levanta subtextos onde se considera o tratamento que a indústria desde cedo deu aos animais.


Além da exploração de um trauma envolvendo um chimpanzé e da imprevisibilidade que os cavalos oferecem quando coagidos, a metáfora animal se reflete também nos personagens que dominam as cenas da trama. O núcleo humano busca incessantemente por um reconhecimento oblíquo e/ou pelo sucesso através da bestialidade alienígena suspensa sobre o vale onde o filme se passa. Peele, que fez ótimos usos de analogias de apelo surrealista em seus dois filmes anteriores ('Corra!', de 2017, e 'Nós', de 2019), entrega aqui seu trabalho aparentemente mais "fechadinho", com o final mais determinante de todos, mas que na verdade é o que mais exprime um discurso escuso em seu miolo. O grande twist não está no final, mas no meio do filme, nas nuances que tendem a passar despercebidas perante a megalomania do acontecimento envolvendo a presença alienígena e se revelando apenas após a sessão, com uma reflexão sobre os incontáveis possíveis significados que algumas cenas podem ter.

Com isso, a verdadeira natureza de 'Não! Não Olhe!' está inteiramente suspensa, escondida em uma nuvem figurativa que se representa literalmente em cena quanto ao OVNI que ameaça a paz de um grupo de pessoas ambiciosas e complexadas. Peele aqui conseguiu construir uma narrativa macro em um filme micro, onde o vale nos canions parece ser o centro do mundo e a indústria do cinema - e o mercado audiovisual como um todo - se veem representados em suas formas mais ásperas. Entre um diretor de fotografia, um funcionário do comércio, um empresário que foi ator mirim, um repórter intruso e dois irmãos órfãos criadores de cavalos, a história que Peele monta consegue abranger muito mais nomes e figuras públicas do que se imagina.

Contudo, o que mais chama a atenção explicitamente é a subversão que Peele consegue provocar nas expectativas. Seja sobre o OVNI, os alienígenas, os indivíduos arrogantes que se consideram superiores e até mesmo os cavalos que nomeiam os capítulos da trama, tudo pode ser outra coisa e se tornar nada de uma hora para a outra, varridos pelo vento que os leva para longe. Tudo aqui é suspenso e, ironicamente, bem fixado. Tudo fica no ar, mas com uma crítica bem fincada ao chão com raízes profundas no próprio conceito de show que é oferecido nos tantos meios do entretenimento. E como um dos nomes mais atrativos da Hollywood atual, o diretor Jordan Peele se consolidou mais uma vez como um realizador subversivo - e falo isso no melhor sentido do termo.



Super Vale Ver!




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