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'Trem-Bala' : filme neo-noir de David Leitch é o suprassumo do cinema de ação contemporâneo I 2022

NOTA 9.0

Sobre frutas, sorte e desenhos infantis

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Não, este filme não é inspirado na música da Ana Vilela. Na era dos filmes com nomes de canções, de fato não seria de admirar que um filme baseado na famosa canção que estourou alguns anos atrás surgisse nas telas de cinema. Entretanto, o que temos aqui não se assemelha em nada com o teor fofinho e reflexivo sobre a contemplação da passagem da vida e das limitações da própria existência que Vilela colocou em sua letra. Minto!, para ser justo existe sim, e essa abstração surge de forma muito inusitada, através de análises profundas e insistentes sobre um popular desenho infantil. Claro, não vou dar nomes aos bois para não comprometer a experiência surtada que é assistir 'Trem Bala' com toda a despirocagem que David Leitch lança na tela em um ritmo que é frenético sem ser apressado numa trama costurada com elegância e mistério - mas já adianto que existe aqui uma avalanche de boas referências tanto ao cinema clássico quanto à cultura pop contemporânea.  


Leitch, que antes de comandar 'Trem Bala' trouxe ao mundo 'Atômica' (2017), 'Deadpool 2' (2018) e foi diretor de unidade de 'John Wick' (2014), entrega aqui um trabalho ousado em técnica e principalmente em montagem, colocando a ação quase sempre ao centro do quadro, assim como Matthew Vaughn fez em sua franquia 'Kingsman' (2015 - atualmente). O roteiro, que é uma adaptação do livro de Kotaro Isaka (distribuído no Brasil pela editora Intrínseca), lembra em partes a estrutura de confinamento ofensivo vista em 'Os Oito Odiados', de Quentin Tarantino, que chegou ao Brasil no início de 2016. Aqui temos uma variedade crescente de pessoas nocivas que tentam matar umas às outras enquanto uma viagem ocorre de Tokyo até Kyoto dentro do trem bala mencionado no título. Vemos um encontro de exímios assassinos que embarcam e desembarcam nas tantas estações que se estendem no percurso, e repetidas vezes surpresas e cameos surgem para temperar ainda mais a salada de atrocidades e bons absurdos que o filme é.

A escolha do elenco é o maior acerto do filme. A trama funciona bem principalmente por causa de seus intérpretes, que brilham independente do tempo de tela que tenham. Brad Pitt vive o assassino azarado Joaninha, que fica incumbido de pegar uma maleta bem específica e tirá-la do trem na estação seguinte. As coisas, é claro, fogem do controle e uma dúzia de outros assassinos entra em seu caminho com um objetivo similar. As coreografias dos confrontos corpo a corpo são excelentes e recheadas de grandes doses de humor, e a qualidade das cenas de lutas corporais se dá pelo histórico do diretor em sua vivência enquanto dublê (tendo sido, inclusive, dublê de Pitt em algumas produções antigamente, como aquele filme que não podemos mencionar o nome por causa da primeira e da segunda regra). Me lembra o caso de 'Resgate', que tomou a Netflix em 2020 e foi dirigido por um antigo dublê de filmes de ação. Essa pode ser uma nova tendência do gênero? Está se encaminhando para ser.

Se de um lado Joaninha (Ladybug, em inglês, mais uma referência a desenho infantil) teme o próprio azar e as mortes que ele provoca mesmo involuntariamente, do outro Morte Branca (que é o grande vilão do filme) brinca com a sorte ao promover roletas russas e matar seus maiores oponentes. O contraste entre eles vai além do acaso e se dá também na ideologia. Joaninha não gosta de portar armas e não gosta de matar, enquanto Morte Branca é um sádico arrogante. Os demais passageiros do trem são distribuídos com motivações ótimas para movê-los de um lado a outro, e cada uma delas se encaixa de algum modo com o embate principal. Vale destacar o excelente trabalho da dublagem brasileira, que colocou referências nativas daqui que vão de 'Cidade dos Homens' até 'Jovem Dionísio'. E sim, embora não seja sobre a música da Ana Vilela, existe também espaço para uma referência a ela. Como disse Brad Pitt na voz do sempre incrível Marco Antônio Costa, "a gente é só passageiro, precisa partir". Com isso, finalizo afirmando que a expressão que melhor define o sentimento pós-sessão de 'Trem Bala' não poderia ser outra além de "que trem bão!"


Super Vale Ver!



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