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'Aquilo Que Eu Nunca Perdi': o bem-vindo resgate de uma das grandes figuras femininas da MPB | 2022

NOTA 8.0

Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme

“Acho que a Alzira é um rio contínuo. Agora... Um rio pode passar por paisagens distintas. Renovam-se as suas águas, mas há algo ali que a gente não consegue pegar, que lhe faz rio.”

Existem artistas que não fazem concessões para atender às demandas do mercado. Por conta disso, muitos deles acabam não se mantendo em evidência nos grandes veículos de comunicação, tornando-se quase desconhecidos do grande público. Por isso, é fundamental que surjam cinebiografias como “Aquilo Que Eu Nunca Perdi”, obra que nos devolve, num precioso serviço de resgate, uma das grandes cantoras e compositoras da MPB: Alzira.

Sem invencionices narrativas, mas longe de parecer um bônus de DVD, o documentário dirigido por Marina Thomé traz recortes da vida privada e do processo criativo de uma artista com uma riquíssima bagagem e ainda muito potente do alto de seus quarenta e cinco anos de carreira. Nascida no Mato Grosso do Sul, fruto do clã musical que nos brindou com os irmãos Geraldo e Tetê Espíndola – com quem nos anos 1980 fez enorme sucesso ao integrar o grupo Tetê e o Lírio Selvagem -, Alzira influenciou intensamente o cenário independente de São Paulo.  


O que Marina nos oferece aqui é um breve, porém satisfatório, apanhado de sua trajetória, no qual parceiros como Almir Sater e Ney Matogrosso narram o vigor de Alzira como pessoa de imensa criatividade, impressa em diversas composições. Além disso, o filme tem o cuidado de deixar indissociável a dedicação com a qual Alzira administrou a carreira, e que lhe proporcionou formar diversas “famílias” musicais, à sua entrega como mãe de cinco filhos. Para tal, a cantora abre sua casa e permite que a câmera de Marina, alguém que a acompanha faz quinze anos, trafegue pelos cômodos e encontre sua intimidade, num fluido entrecortar que mistura o seu presente familiar com reveladoras imagens de arquivo.

E por falar em fluidez, não deixa de ser reconfortante como, diferente de exemplares recentes do gênero, o projeto investe em metáforas bem pontuais, deixando a poesia muito mais por conta do belo trabalho de Alzira rabiscado em suas letras. Assim, momentos como os que buscam relacionar a vida da figura central do filme a um rio “que é mutante, que vai pegando coisas pela margem, folhas... adquirem uma maior relevância simbólica, mesmo que não sejam monumentos à originalidade.

Mulher forte e talentosa, que não se curvou nem diante do machismo interiorano em períodos tão (ou mais) sombrios quanto os atuais e tampouco atendeu à pasteurização da indústria fonográfica em busca de sucesso, Alzira é daquelas artistas que inspiram não só pelo grande talento, mas também pela força. Entregue ao espectador pelo inventário audiovisual que é “Aquilo Que Eu Nunca Perdi”, ela demonstra que o tesão com o qual viveu e vive – hoje ela integra uma banda de rock! – segue insaciável, rio caudaloso. E se o título aponta para uma essência que a cantora, compositora e instrumentista jamais deixou que se desvanecesse, muita gente pode lamentar por ter perdido de vista (e de ouvidos) alguém tão merecedor de palco, holofotes e, claro, aplausos. 


Vale Ver!



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