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'Desterro' e o cinema experimental de Maria Clara Escobar | 2022

NOTA 7.5 

Por Rogério Machado 

Co-produção com Argentina e Portugal, 'Desterro', de Maria Clara Escobar, se apropria de uma linguagem muito particular para narrar a indiferença. Uma crise disfarçada por diálogos intermináveis e aleatórios sobre amenidades do dia a dia. Reuniões de família, amigos, filhos.. nada parecia mais fazer sentido para Laura. O filme foi exibido pela primeira vez no Brasil na edição especial da Première Brasil do Festival do Rio e chega aos cinemas essa semana.


O filme acompanha Laura (Carla Kinzo) e o que se passa dentro dela, as coisas que não se encaixam, seja na vida em família e no relacionamento. O mesmo desencaixe que acontece entre os corpos de Laura e Israel (Otto Jr.) seu marido, que percebe que há algo errado com sua esposa tarde demais para evitar o inevitável.  O longa de Maria Clara tem essa atmosfera que acompanha esses corpos em total desencontro.

Essas divisões e rachaduras entre as relações de Laura são mostradas com discrição pelas lentas da realizadora, que não economiza as longas sequências de contemplação, com muita melancolia e afirmações truncadas, quando por exemplo ela afirma que gostaria de ver quando o mundo acabasse em uma explosão. Até que um dia Laura simplesmente desaparece e deixa em desordem a vida do companheiro. Os sentimentos de Otto são representados em alternâncias de sequências que vão desde longas cenas em silêncio até disparadas por calçadas com uma trilha em volume estrondoso. 

Com o desaparecimento de Laura, a trama resgata uma nova narrativa, quase que um outro formato dentro do mesmo filme - um filme dentro do outro. É nessa altura onde somos apresentados a novos personagens. Aliás, são eles que se apresentam a nós através de pequenos monólogos, alguns até com divagações poéticas como se fossem recordações. Entre esses personagens vemos  Isabél Zuaa, Georgette Fadel e Bárbara Colen, que recita alguns dos poemas feministas mais famosos da brasileira Angélica Freitas, que abrem o livro “Um útero é do tamanho de um punho” (2012).

'Desterro' tem uma pegada experimental e insana - o que pode incomodar aos cinéfilos mais convencionais - mas no fim das contas discute com criatividade o papel social da mulher em uma sociedade machista. A cineasta, que também é poeta, encerra a  jornada de Laura com uma metáfora visual, ao atear fogo em uma casa, em plano de fundo, para explicitar que é preciso morrer para renascer, destruir para transformar. Não adianta apenas mudar algumas peças do que já é estabelecido pelas viciadas estruturas sociais.


Vale Ver!



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