'O Perdão' : um recorte intenso do relativismo a uma mulher iraniana | 2022
NOTA 8.0
Quanto vale uma vida humana?
Por Maurício Stertz @outrocinéfilo
Em tempos que a fragilidade de valor demonstra cada vez mais uma face irônica, poderia escrever linhas e mais linhas sobre o assunto, ponderando sobre uma história repleta de executores (e executados). Se para responder meu próprio questionamento (num exercício de autossabotagem), o relativismo, infelizmente, é ainda uma constante: “Todos são iguais, mas uns são mais iguais que os outros", diria George Orwell, e poderia ser aplicado perfeitamente aqui.
Digo isso pois o filme iraniano dirigido por Behtash Sanaeeha e Maryam Moghadam, que inclusive é a protagonista, aposta nesse relativismo das causas e consequências para atingir uma reflexão, retraindo a profundidade direta ao espectador e entregando de volta uma realidade densa, não expansiva ou vistosa, mas mínima, detalhista e íntima. É a partir de alguns exemplos do reconhecido Cinema Iraniano que costumo pensar sobre as formas em que a imagem convida para entrar, enquanto a má notícia espera à sala, com os temas corriqueiros, principalmente do pós revolução, de potencial quase devastador - sofro disso, desde introduzido ao Cinema de Abbas Kiarostami.
'O Perdão', desde o título, entrega alguns caminhos por onde a narrativa irá passar. Para criar sua base, não poupa ou sequer começa aos poucos, mostrando desde o começo as cenas do confinamento numa prisão, arriscando um questionamento ao livre arbítrio perante à autoridade que vem da religiosidade que dita os costumes do povo.
Feita esta primeira incisão de metáfora (que virará rima cinematográfica mais à frente), a narrativa passa a acompanhar Mina, uma mulher iraniana que vê o marido ser executado e logo descobre ter sido por um crime que não havia cometido. Apesar das injustiças banalizadas em sua frente, Mina precisa lidar com uma sociedade conservadora que a esmaga, enquanto explica à filha, Bita, que o pai estava em outra cidade, ou trabalhando, ou que não voltaria mais.
Aos poucos os ventos mudam sutilmente. Enquanto o luto é encarado por Mina, com os anos que ajudam a amortecer, que precisa ser forte para cuidar de sua filha com deficiência auditiva, a narrativa cria pontos de redenção para o executor: Reza, um juiz que logo em seu primeiro caso que havia julgado erroneamente, pertencente a um sistema de poucos questionamentos. Como o perdão que busca, se aproxima de Mina e Bita, para tentar suprir, pelo menos financeiramente, às duas.
Desde o começo, a câmera estática carrega um ar teatral consigo, sempre mantendo uma grande profundidade de campo, deixando o espectador livre pra descobrir cada quadro. É como se pudesse documentar com exatidão o que é corriqueiro, portanto, real - É a sensação convidativa da qual comentei, pois os campos são abertos, espaçosos e podem alocar um espectador ou outro bem ali perto. Afora isso, e como forma de inserir mais metáforas visuais, sugere a todo momento, quando foca nas arestas duras e ríspidas das portas e janelas, o aprisionamento (emocional) dos personagens.
É com estas sutilezas que a direção dupla carrega 'O Perdão', podendo demonstrar um olhar com lágrimas aqui ou uma passada de batom ali, que escondem mais significados do que a imagem poderia prover, reforçados por uma atuação impressionante de Maryam. Se ao condicionar a forma à seu favor, as imagens, contidas numa paleta de cores frias, demonstram mais vividez que o espectro permite, detrás das entrelinhas Mina pode verbalizar o luto apenas num olhar reforçado por um close-up atento.
A história do perdão (ao outro ou a si) e a vingança se mesclam em conluio, deixando espaço para que a reflexão sobre os caminhos da culturalidade sigam a partir dali. Quando os créditos finais aparecem inesperados, vem a vontade de saber mais sobre Mina e Bita, sobre o que o Perdão poderia trazer as duas. A porta que era convidativa se fecha e do lado de fora os caminhos seguem inacabados e aqueles "e se" de tantas reflexões seguem vivas, com o peso que lhes é direito.
Vale Ver!
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