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'Não! Não Olhe!' - a sociedade do espetáculo no filme de Jordan Peele | 2022 - CRÍTICA 2

NOTA 9.0 

“O espetáculo é herdeiro de toda a fraqueza do projeto filosófico ocidental” 

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

Não é exagero dizer que Jordan Peele é um dos maiores e mais criativos cineastas da atualidade. Tendo, até 2017, seu nome mais vinculado às comédias na TV, Peele surpreendeu a todos ao estrear nos cinemas com “Corra!”, um terror com críticas sociais contundentes e um thriller psicológico de roer as unhas. O projeto teve ampla repercussão agradando público e crítica até chegar ao histórico Oscar de melhor roteiro, sendo ele o primeiro negro a receber essa premiação. Após o começo triunfante, se manteve fiel ao gênero que o consolidou, mas ousou ao retratar em “Nós”, um horror com mais subtextos e metáforas, arriscando maior subjetividade em uma narrativa menos tradicional. Já em “Não! Não Olhe!”, ele mantém a escalada e faz da subversão uma tendência, chegando a soar experimental vez ou outra. É evidente que traços típicos do diretor estão presentes, porém é notório o progresso do ponto de vista da forma e por mais que os três trabalhos até aqui lançados se comuniquem, todos tem uma estrutura muito particular que os distanciam, o que por um lado mostra sua versatilidade e também evidenciam uma coragem de se reinventar mesmo estando no topo.


Na trama acompanhamos os irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald Haywood (Keke Palmer), que após a trágica morte do pai começam a vivenciar estranhas experiências e misteriosas aparições no rancho da família. Determinados em descobrir a identidade do que os observa, a dupla vai em direção ao desconhecido não apenas por respostas, como também por fama e sucesso.

Flertando com o horror sci-fi, “Não! Não Olhe!” tem claras inspirações na série Além da Imaginação, sucesso das décadas de 50 e 60 que ganhou um remake recentemente produzido pelo próprio Peele, além de referências ao cinema de Spielberg, reverenciando grandes obras como, à primeira vista, “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” e ao longo da rodagem se aproximando cada vez mais de “Tubarão”, representando o mistério nas nuvens de modo quase tão eficiente quanto o clássico de 74  representou nas águas, não o superando, em parte devido à exposição do monstro muito mais cedo do que o necessário, interrompendo a curva ascendente de tensão, deixando restar tempo suficiente de filme para o declínio da mesma, entretanto, o fechamento tem uma escalada de tensão que mantém o saldo extremamente positivo.

O subtexto apresentado será, sem dúvidas, o maior objeto de controvérsia, em especial um flashback aparentemente desconectado do centro da trama, que passa a fazer sentido ao estabelecer uma rima visual com a figura central do monstro, porém, mesmo com esse paralelo possível, esse será o trabalho mais divisivo da carreira de Peele, muito embora isso esteja longe de ser um defeito. 

Deixando de lado toda baboseira de “reacts” e finais explicados que inundam a internet com teorias mirabolantes, esse texto não tem nenhuma pretensão de interpretar nada, assim como o próprio diretor que apesar de inseridas as metáforas, coloca o espetáculo em primeiro plano, sendo perfeitamente possível acompanhar o enredo desde sua camada mais superficial. Fato que torna qualquer tentativa investigativa do expectador mero exercício retórico e irrelevante do ponto de vista prático.

Em 1967 o pensador francês Guy Debord escreveu o livro “A Sociedade do Espetáculo”, onde ainda nos anos 60 nos alertava: “Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se representação” se entendermos que, como ele mesmo explica, que o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. Transporte esse pensamento até a era das mídias digitais e redes sociais onde o ser pouco importa se você simplesmente parecer ser. O conceito de registro histórico e a importância dele está no centro das atenções no princípio, todavia essa relevância dá lugar a lógica da fama e do imediatismo. Jordan Peele nos conduz de maneira brilhante a essa busca pela imagem que atribui ao autor uma projeção fantasiosa que beira ao ridículo, por vezes como uma piada interna que visa a própria indústria a qual pertence, rindo de si mesmo, capacidade essa reservada aos grandes, e nesse sentido, Jordan Peele é gigante.


Super Vale Ver!



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