‘Um Lugar Bem Longe Daqui’ : adaptação de best-seller carece de profundidade, mas entrega boas doses de emoção | 2022
NOTA 7.0
Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica
Uma suposta crise de criatividade na indústria cinematográfica estadunidense é pauta recorrente não só em programas especializados como em conversas do cotidiano. Se você é uma pessoa minimamente ligada no mundo do cinema, provavelmente já ouviu algo a respeito. Muito dos argumentos vêm do fato da quantidade atual de franquias, remakes, reboots e adaptações literárias, o que daria a entender a perda de espaço em abordagens mais originais. Entretanto, assim como em quantidades nunca antes vista, temos uma demanda igualmente nova, restando o questionamento sobre de quem é a “culpa”? Estaríamos nós, enquanto expectadores, “preguiçosos” e menos receptivos à novidade ou os realizadores entregues à fórmulas e voltados ao retorno financeiro e sucesso comercial? Independente de quem esteja com a razão, e esse texto não tem a pretensão de dar respostas, é sintomático que qualquer sucesso fora das telas desperte a atenção e o interesse, do público e da indústria, por uma adaptação, com um retorno quase imediato. Foi o caso de ‘Um Lugar Bem Longe Daqui’, da escritora Delia Owens lançado em 2018, com uma tiragem inicial de 25 mil cópias o livro já vendeu mais de 12 milhões de exemplares. Era apenas uma questão de tempo até as páginas ganharem lugar nas telas.
Na trama acompanhamos Kya (Daisy Edgar-Jones), uma jovem solitária que vive isolada no interior da Carolina do Norte. Excluída da comunidade e abandonada pela família, ela busca na natureza um refúgio, revelando grande talento no trato com os animais e plantas que a rodeiam. Após um popular rapaz da cidade ser encontrado morto, Kya se torna a principal suspeita, tirando a pouca paz que restou de sua até então trágica existência.
Daisy Edgar-Jones é uma estrela em ascensão, dispondo de atenção na ótima minissérie “Normal People” e brilhado no recente terror “Fresh”, a atriz tem pela primeira vez o total protagonismo em ‘Um Lugar bem Longe Daqui’. Contudo, por mais contraditório que possa parecer, sua presença é ao mesmo tempo, o maior trunfo e a principal fraqueza no desenvolvimento da narrativa. Começando por um dos fatores de controvérsia que é a “higienização” da figura central. Talvez justamente por Edgar-Jones ter alcançado a fama ou por puro capricho “hollywoodiano”, existe uma nítida necessidade dela estar sempre ligada ao belo, mesmo que toda a construção ao seu redor peça o oposto. A personagem por ela interpretada cria um contraste evidente quando, enquanto “menina do brejo”, está sempre trajando roupas limpíssimas, o rosto sem marcas e o cabelo de um brilho digno de capa de revista. O mais curioso é que quando retratada no passado, enquanto criança, isso não se repete. Nesses flashbacks que, diga-se de passagem são primordiais para nosso envolvimento emocional, Kya é uma menina comum, de roupas rasgadas, pés sujos e cabelos desgrenhados, saltando mais aos olhos a contradição quando a edição trafega entre as linhas temporais. Outro fator, esse menos subjetivo, é o tempo de tela. A presença da protagonista dita o ritmo da narrativa de tal modo que pouco sobra aos outros, chegando a prejudicar o desenvolvimento do elenco como um todo, torna-os menos humanizados, levando a trama pra uma abordagem simplista e desprovida de camadas.
O filme tem ambientações muito bem aproveitadas, uma vez que o local onde Kya mora é parte de sua personalidade - a interação dela com as plantas e animais é sutil e estabelece de fato uma conexão, muito embora alguns complementos gráficos em tela verde fiquem aparentes. Essa atmosfera envolvente acrescida de bom ritmo colocam na maior parte do tempo os problemas mencionados em segundo plano. ‘Um Lugar Bem Longe Daqui’ é sobretudo um filme afetuoso, imersivo e de fácil envolvimento emocional. Afinal, seja por empatia ou desejo por justiça, acompanhar histórias é também sobre espelhar nossas dores, sendo assim, o que é esse espelho se não o cinema?
Vale Ver!
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