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'Argentina, 1985' : longa nos mostra uma vez mais que toda arte é política | 2022

NOTA 9.5

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

Toda arte é política! Para além da função social, a arte é resistência, subversão e potencial catalisador na tomada de consciência. Ao artista cabe a captação e articulação desses afetos, porém, o autor é “apenas” um mensageiro, cabendo a nós enquanto sociedade, o tortuoso caminho entre a reflexão e ação. ‘Argentina, 1985’ trata de eventos ocorridos quase quatro décadas atrás, entretanto, os fatos por ele colocados para discussão dialogam diretamente com nosso presente, seja no contexto argentino ou todo e qualquer país cujas feridas da ditadura continuam abertas, em especial aqueles de transição democrática marcada pela impunidade e manutenção das mazelas de um passado recente e traumático. 

Na trama acompanhamos os primeiros anos de redemocratização na Argentina quando o então presidente Raul Alfonsin sancionou o decreto 158, dando início ao julgamento dos militares por ações cometidas durante a ditadura. Julio César Strassera (Ricardo Darín) e Luis Moreno Ocampo (Peter Lanzani) atuam no caso e comandam uma equipe de jovens advogados que correm contra o tempo para reunir evidências que comprovem os crimes e seus culpados.

Ricardo Darín é um patrimônio nacional, e sua presença nessa produção tão importante é extremamente simbólica. No papel ele está brilhante, como de hábito, contudo Peter Lanzani não fica muito atrás e entrega uma performance secundária de peso, assim como todo o elenco de apoio. O design de produção nos transporta aos anos 80, mérito que combinado à ótima caracterização auxilia na imersão necessária para uma trajetória que é relativamente extensa, cerca de 2h 20 min. O ritmo equilibra bem os diferentes momentos, mantendo a tensão, seja ela no calor da corte ou no silêncio das casas. O longa também apresenta inúmeros monólogos de forte teor emocional, tanto do protagonista quanto das vítimas, mas sem nunca cair no melodrama ou apelo sensacionalista. O roteiro e a direção trazem decisões criativas corajosas - como a inclusão do núcleo familiar como subtrama de modo a complementar as sequências no tribunal - algo pouco efetivo em filmes desse gênero, todavia aqui funciona em perfeita harmonia. Outro direcionamento louvável é a permanência dos nomes reais de cada envolvido, não poupando ninguém das responsabilidades individuais ou coletivas, algo primordial para uma problemática dessa proporção.

A famosa frase “um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la” foi dita no século XVIII e ocasionalmente retorna como lembrança necessária para tempos sombrios. Tempos como os nossos, pautados pela cartilha autoritária onde a primeira vítima é a verdade. O atual cenário de ataques às instituições democráticas, órgãos de imprensa, emparelhamento das forças de segurança e a eliminação de adversários são apenas alguns dos motivos para lutar, e parte relevante da resistência passa por relembrar nosso passado. A vida e nossas muitas formas de existir também é política, e muito dessa diversidade está em risco, em parte, graças à falta de prestação de contas dos males praticados durante o regime militar, período que por aqui durou mais de duas décadas, custou a vida de centenas, além da tortura e a perseguição de outros tantos. 

Vivemos dias em que é preciso dizer o óbvio e mais uma vez afirmar que a verdadeira liberdade tem um custo muito alto. O preço a se pagar é, e sempre será, a eterna vigilância.


Super Vale Ver!



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