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Mostra SP: 'O Deus do Cinema' | 2022

NOTA 7.5

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo

À primeira vista, Goh Maruyama é um senhor rabugento, vive pedindo dinheiro emprestado para todos à sua volta para apostar em cavalos e passa seus dias atirado no sofá de casa cercado de latas de cerveja. A esposa e a filha já cogitam cuidar da sua aposentadoria para que o problema não fique ainda pior – Goh passa dias monótonos assim. É numa conversa descompromissada com seu neto que expõe pela primeira vez sua ligação com a arte através do conselho de um homem bem vivido aos 78 anos que é: “um filme sempre deve agir no coração, não na mente”. Com isso em mãos, somos transportados finalmente ao jovem Goh, diferente do senhor que se acotovela contra seus vícios, tem um relacionamento conturbado com sua esposa Yoshiko e nutre uma distância teimosa da filha. O jovem Goh, revigorado pela idade, era um assistente de diretor de um filme que viraria clássico nipônico da Era Dourada do Cinema mais tarde.

'O Deus do Cinema', dirigido por Yôji Yamada aos 91 anos, um dos mais longevos cineastas japoneses, recebe, por fim, seu caráter divino por romantizar, sobretudo, a vida pela arte, como uma carta de amor ao Cinema e as experiências menos mundanas e impossíveis de explicar se não pelo coração.  Apesar de não se lançar totalmente pelo minimalismo, já visto muitas vezes espalhados pela história cinematográfica do país, como em Ozu e Kurosawa que apostavam suas fichas na lucidez narrativa a despeito da forma como objetivo final, Yamada exala seu controle criativo à cada quadro, deixando que a linguagem cinematográfica fale por si.  

O mais interessante é que Yamada cria uma viagem ao passado, acessado quando Goh e Terashin assistem aos filmes que fizeram parte – Goh na direção e seu amigo Terashin por trás dos projetores. É como se os personagens pudessem finalmente se assistir, analisando os erros e acertos que se aglutinam como consequências do que viviam no presente, sem deixar que o passado se feche ou seja sequer esquecido. Ao mostrar os bastidores e intercalar duas linhas do tempo, o diretor ainda carrega consigo a metalinguagem como ferramenta, pintando uma época vívida que se tornaria uma fábula para um bom contador de histórias.

É neste momento específico do passado que Goh Maruyama conhece sua esposa Yoshiko, seu amigo de longa data Tamagushin e Sonoko, considerada a atriz mais bela daquele período e por quem nutria um certo carinho. As faíscas do romance duradouro estão todas ali, enquanto os rolos de filme são rodados como engrenagens sem vida e os jovens se equivalem na paixão pela arte, o arco romântico, que envolvia os quatro personagens, é aos poucos desenvolvido, deixando transparecer algumas pistas pelos olhares fruto dessa amizade juvenil e aventureira. A montagem passa a unir estes pedaços e dá urgência para a história, para ressignificar o tom poético desse passado.

Para Goh sobra um arco de redenção como principal objetivo, ao fazê-lo trilhar o caminho que o aproxima e afasta do Cinema, da arte e da paixão que arrebatou seu coração desde jovem, deixando que a vida de escolhas possa cobrar seus preços, ironicamente, quando lhe trouxe a possibilidade ganhar em seu grande jogo de azar. Ele recebe tarde os comprimentos por seu talento, mas os recebe. Um pedido de perdão acontece tarde, mas acontece.

'O Deus do Cinema' apela ao imediatismo e o intercala com as possibilidades da vida, com os amores que se perdem no tempo ou que se recuperam como se tomados por um destino que não precisa de explicações. Talvez fosse obra do divino. E talvez exista mesmo no Cinema (e nos filmes por consequência) algo definitivamente divino que escala através do nosso coração. Passei a pensar mais sobre isso. 


Vale Ver! 



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