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Festival do Rio : Blue Jean | 2022

NOTA 10 

Por Eduardo Machado @históriadecinema 

No início do formidável filme da diretora estreante Georgia Oakley, Jean (Rosy McEwen) pinta o cabelo de loiro e seu corte curto espetado bem lembra David Bowie, compositor da canção que dá nome ao filme. No videoclipe da música de 1984, Bowie interpreta dois personagens. Um é performático, com vestimentas e maquiagens ousadas, livre e, portanto, parece ser o autêntico Bowie. O outro Bowie, diferentemente, veste terno e gravata e senta-se à mesa com uma moça com quem parece nitidamente desconfortável. Ele, porém, precisa cumprir aquele papel. Não haveria como pensar em dualidade melhor para iniciar um filme que se propõe a discutir a homossexualidade em um período de repressão nos anos 1980.

O filme se passa em 1988 em Tyneside, Reino Unido, nos últimos anos da ex-primeira-ministra Margaret Thatcher como chanceler britânica. Líder do partido conservador, foi durante aquele ano que ela aprovou a “Section 28”, como fora denominada a série de leis que proibiam a “promoção da homossexualidade” no Reino Unido. Segundo a “Section 28”, que vigorou por mais de 20 anos, uma autoridade local "não deve promover intencionalmente a homossexualidade ou publicar material com a intenção de promover a homossexualidade" ou "promover o ensino em qualquer escola o reconhecimento da homossexualidade como uma pretensa relação familiar". Bom, não é preciso dizer que para Jean, uma mulher gay, divorciada, professora de educação física de ensino médio em uma escola britânica, não havia dias fáceis diante de um governo que queria, sobretudo, negar a própria existência de gente como ela.

Jean, nesse contexto, tenta manter o máximo de discrição sobre a sua vida privada, escondendo de seus colegas de trabalho a homossexualidade e o relacionamento romântico que mantém com Viv (Kerrie Hayes). Seu segredo, no entanto, é ameaçado pela chegada de uma nova aluna, Lois (Lucy Halliday), que passa a ser intimidada pelas colegas de sala em razão de sua suposta orientação sexual. Jean, então, tem que refletir se deve ou não defender Lois das perseguições, correndo o risco de ter a sua própria vida pessoal invadida e arriscar o futuro de sua carreira como professora.

Com esses elementos, a diretora e roteirista Georgia Oakley consegue fazer um filme tão atual que, não fosse o design de produção e a caracterização de época tão precisos, seria fácil para o espectador esquecer que se trata de um filme passado nos anos 1980. Isto porque apesar de a “Section 28” ter sido revogada em meados dos anos 2000 e que devamos reconhecer alguns avanços aqui e acolá ao redor do mundo, é certo que esses mesmos progressos trouxeram a reboque uma extrema direita raivosa e reacionária que busca, a todo custo, muitas vezes apoiada no discurso religioso, retomar o máximo protagonismo da heteronormatividade.

“Blue Jean” é um filme de tal forma impactante que me vejo tentado, desde já, a chamá-lo de obra-prima, mesmo reconhecendo que talvez possa soar precipitado. Mas que se dane a razão. O sentimento é de estar assistindo a uma obra rara que, como o não menos primoroso “Retrato de uma Jovem em Chamas”, oferece protagonismo ao amor lésbico de maneira tão sensível e bela que é capaz de amolecer os corações mais frios, pois poucas vezes o “L” de "LGBTQIA+" foi escrito com caligrafia tão bonita no cinema. Em tempos tão difíceis, fazer o “L” pode ser o melhor ato político possível.


Super Vale Ver!



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