'Não Sei Quantas Almas Tenho' : uma bela e melancólica poesia de horror | 2022
NOTA 7.5
“A gente vive até o dia em que morre a última pessoa que se lembra de nós?”
Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica
A figura do monstro teve imensa importância para o gênero de horror, em especial na década de 30 quando nomes como Drácula e Frankenstein, fortemente inspirados na literatura gótica e no expressionismo alemão, ganharam adaptações de grande repercussão, gerando diversas continuações e se mantendo relevante até os dias de hoje. Dentre todos os folclores que deram origem a essas figuras, talvez esteja na do Vampiro o mais rico conteúdo do ponto de vista existencialista. Baseado em distorções que datam do século X, foi no romantismo do século XVII onde ganhou forma, muito embora o cinema do século XX e XXI tenha ampliado o conceito, dando a ele variações que vão de anti-herói juvenil à criatura sedutora sedenta por sangue. “Não Sei Quantas Almas Tenho” se apropria de boa parte da sabedoria contida nessas mitologias, nos conduzindo a uma jornada lisérgica e reflexiva.
Inspirado no poema homônimo de Fernando Pessoa, a trama acompanha Nicolau, um vampiro que através dos séculos busca por Nina. Apesar de um bom complemento, conhecer a obra de Pessoa não é mandatória para o entendimento do longa. A dubla de realizadores Patrícia Niedermeier e Cavi Borges reúnem referências do cinema, literatura e poesia de maneira não restritiva, partindo de uma premissa simples e concentrando o diferencial na estrutura narrativa.
Já descrever “Não Sei Quantas Almas Tenho” não é assim tão simples, seja no quesito estético ou no argumento. Talvez um pouco de ‘Amantes Eternos’ inserido numa estética que lembra bastante ‘Suspiria’ e pitadas conceituais à la David Lynch. Parece confuso e bagunçado, mas não é. Em parte, graças a já mencionada simplicidade da premissa e o uso equilibrado desses referenciais, tornam essa mistura incomum um conjunto de ideias que trabalham de maneira perfeitamente orgânica. O filme possui pouca exposição, principalmente nos diálogos, o que é bom por não nivelar o público por baixo. O ritmo inicial mais compassado, pode até comprometer o envolvimento do espectador, mas uma vez embarcado, a viagem torna-se gratificante. Visualmente o longa é um show à parte, com belíssimos enquadramentos que evidenciam luz e sombra, uso de cores saturadas como o azul e o vermelho e de uma constante atmosfera onírica.
Por fim, “Não Sei Quantas Almas Tenho” é uma experiência que exige imersão, elementos para isso não faltam. Um exercício de linguagem interessante, além de agradável aos olhos, provocativo, evocativo, por vezes poético e melancólico. Para os mais abertos ao novo, um prato cheio.
Vale Ver!
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