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Festival do Rio : 'O Pastor e o Guerrilheiro' | 2022

NOTA 9.0

Por Rogério Machado 

Inspirado em fatos e baseado no livro de Glênio Sá, 'Araguaia: Relato de um Guerrilheiro', um dos filmes mais aguardados da Première Brasil do Festival do Rio nos traz à memória os fantasmas que um dia assombraram o Brasil na ditadura, em meados da década de 60. Dizer que esses fantasmas foram extirpados do nosso meio parece ser ainda uma utopia, e é isso que 'O Pastor e o Guerrilheiro', de José Eduardo Belmonte, que causou furor em sua estreia em Gramado, parece querer nos fazer lembrar.... que essa ameaça pode estar mais perto do que imaginamos. É esse o diálogo consciente - que refuta a falácia de que a repressão nunca existiu - que essa triste história quer nos propor.  


Entre o fim da década de 60 e início dos anos 70, Miguel Souza (Johnny Massaro) um jovem estudante da UNB que deixa a Universidade e se torna um guerrilheiro comunista que partiu pra luta armada na Amazônia, se encontra na mesma cela que Zaqueu (César Mello), um cristão evangélico, que teria sido preso por engano. Em meio à torturas e conflitos ideológicos, eles se ajudam naquele momento terrível e, entre as muitas conversas, fazem uma promessa de se encontrarem na virada do milênio. Em outro momento da história, já nos últimos dias do milênio, em 1999, conheceremos Juliana (Júlia Dalávia), uma ativista estudantil e filha ilegítima de um coronel que acabara de se suicidar. Ela é surpreendida com uma herança deixada para ela, mas receia aceitá-la por não concordar com o passado terrível de seu progenitor. 

É através de  um livro encontrado na casa do coronel, que ela descobrirá que seu pai foi o torturador dos dois presos destacados no livro. É dessa forma que a narrativa liga passado e presente, unindo essas três vidas que de alguma forma sempre estiveram conectadas, ainda que em momentos diferentes da história. Belmonte ('Alemão' - 2013, 'As Verdades' - 2022), que tem uma carreira bastante  diversa, capta sem exageros, mas com muita verdade, tanto os momentos em que Miguel se encontra sob o jugo dos torturares, assim como o período próximo à virada do milênio, sobretudo quando dá enfoque aos dias atuais na vida do hoje pastor Zaqueu. Esse núcleo então, é desenhado com tanto cuidado que nem de longe lembra uma caricatura do evangélico pentecostal. Um  dos méritos é a performance inspirada do ator César Mello. 

'O Pastor e o Guerrilheiro' faz um raio x de comportamento ao longo dessas três décadas. Ainda que exista muita intolerância e apoio ao desmantelamento de uma sociedade mais diversa e justa, ainda haverá quem lute contra o fascismo e a opressão. É interessante notar também o recorte do avanço na difusão  do evangelho, que antes era relegado à igrejas de periferia, e hoje ostenta grandes cultos pela tevê e pelo rádio. Se é apenas uma representação da realidade ou uma crítica, só saberemos com o tempo.

Entender a crise, no sentido amplo da palavra, que se instalou no Brasil foi um dos motivos que me fez querer contar a história de 'O Pastor e o Guerrilheiro'. Disse José Eduardo Belmonte em uma entrevista. Na certa essa afirmação responde nossa dúvida sobre o longa ser uma crítica do momento atual. É preciso sempre relembrar nosso passado para não enterrar o futuro. Será que aprendemos mesmo com nossos erros?







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