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Mostra SP: 'A Mãe ' | 2022

NOTA 8.0

"...boa coisa ele não devia estar fazendo"

Por Vinícius Martins @cinemarcante 

Entre as possíveis leituras de 'Mãe' - filme de Cristiano Burlan, vencedor dos festivais de cinema de Gramado e de Vitória em 2022 -, destaca-se um viés crítico ao estado com caráter pessoal por parte de seu diretor, cria do Capão Redondo (zona sul da capital São Paulo) que viu a violência de perto muito mais do que gostaria. De exploração da dor (leia "exploração" no melhor dos sentidos) Burlan entende bem e coloca na tela uma jornada aflitiva e forte, mesmo trabalhando fragilidades pessoais e sociais. Anteriormente, ele criou três documentários sobre suas perdas íntimas que compõem a Trilogia do Luto (pai, irmão e mãe), que narram a perda de seus familiares, respectivamente, em 'Construção' (2007), 'Mataram meu irmão' (2013) e 'Elegia de um crime' (2019). Dentro de seu novo filme 'A Mãe' (seu primeiro ficcional), existe uma inversão na perspectiva que gera uma denúncia aterradora. Não é o filho que fica, mas sim sua progenitora - e seu drama se desenvolve na ausência da resolução do aparente assassinato do filho.

'Mãe' é um drama humano e, de certo modo, um thriller policial; mas também é um filme político, onde Burlan descama sua relação com a postura militar dentro das periferias e expõe uma realidade que é sentida diariamente por centenas de mães. Com delicadeza e agressividade milimetricamente dosadas, o filme dá voz a uma dor que constantemente é silenciada, tanto pelo estado a quem Burlan aponta o dedo quanto principalmente pelo tempo, que torna obsoleto aos outros o sofrimento que não diminui em quem o sente. A questão levantada aqui é: como seguir em frente se não há uma resposta? Como colocar fim a um luto se não há um corpo a ser enterrado e nem tampouco respostas sobre o que aconteceu? E com uma das escolhas mais acertadas do cinema nacional dos últimos anos, Burlan escolheu a gigante Marcélia Cartaxo para viver Maria, a mãe a quem o título se refere, uma senhora periférica que ganha a vida honestamente como camelô.

Marcélia se ergue como um monumento das artes cênicas neste que é mais um exemplar da qualidade imensa do cinema brasileiro como arte e denúncia social. A atuação se distancia em muito da graciosidade de 'Pacarrete' (2019) e submerge em um oceano tempestuoso onde parece que nunca mais haverá paz. A fotografia de André Brandão transpõe com efetividade à tela o desamparo que vai se estampando nos arredores de Marcélia, e o roteiro de Burlan abre espaço também para que haja interação entre sua ficcional Maria e mães reais que ainda lutam para descobrir que fim teriam tido seus filhos perdidos. 'A Mãe' é um drama pesado, porém necessário para todas as classes principalmente por levantar questões que necessitam ser debatidas. Durante a 29ª edição do Festival de Cinema de Vitória, em setembro, o filme foi imensamente aplaudido e saiu vitorioso nas principais categorias. Uma vitória significativa pela arte, mas especificamente pelo discurso.


Vale Ver!



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