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'A Acusação' : escancara traumas revividos à exaustão | 2022

NOTA 7.0

Por Maurício Stertz @outrocinéfilo 

O que há de errado com a nossa sociedade? Com essa pergunta ampla, o leitor procura imediatamente uma resposta pessimista num sumário daquilo que julga como os problemas pertinentes e cabíveis a questão. É uma daquelas perguntas convidativas e permissivas a divagar. Um deles, sem dúvidas, que é tema do francês 'A Acusação', são os crimes sexuais (que acontecem desde sempre), cujas denúncias, fortalecidas e encorajadas pelos movimentos sociais dos últimos anos (o #metoo, por exemplo), vêm levantando um debate complexo sobre o sexismo, os traços de impunidade e como a sociedade os compreende. Não irei advogar, porém, sobre culpabilidade, causas ou efeitos, deixo isso ao cargo dos juristas – que não escrevem críticas cinematográficas.

A premissa de 'A Acusação' explora uma família aparentemente comum. Claire Farel é mãe e importante ativista política sobre a criminalização sexual; Jean Farel é um apresentador importante e pai ausente para Alex Farel. O garoto, que estuda engenharia numa das maiores universidades do mundo, vai a França visitar a mãe e, após uma festa, é acusado de estupro. É com essa guinada brusca que o diretor Yvan Attal testa a moral da família Farel, confrontando as aparências do pai e o posicionamento ‘agressivo’ da mãe: serão os mesmos pesos e as mesmas medidas? Enquanto isso, cria um quadro para rever o predomínio da sociedade em encarar o caso com maus olhos, marcando em Mila, a vítima, conveniências sociais que nem são suas.

A narrativa percorre pelo tribunal, numa guerra de versões sobre consentimento, bom mocismo e qual vida terminará mais destruída. A propósito, o processo de depreciação por que passa Mila, quase documentando em todas as etapas (exame corporal, psicológico...) se demonstra como uma barreira que desencoraja, envergonha e cansa qualquer mulher. Não bastasse, durante o tribunal, o tempo não pôde amenizar as cicatrizes frescas de Mila, não lhe deixam. Os juízes, advogados e a sociedade comum revivem o trauma alheio, detalhe por detalhe, termo por termo, como se o castigo fosse depredando sua feminilidade a cada incursão das testemunhas de defesa.

Mas, como disse, não julgarei valores aqui. Assim como uma acusação destas num cotidiano qualquer apresente o campo para que o observador assuma seu lado, a crítica cinematográfica talvez possa ter o mesmo papel. Entretanto, o diretor age na contramão e assume prontamente seu lado ao equivaler as dores de ambos os lados com o criticismo que lhe é direito. Como ao apontar para a destruição da vida do acusado, jovem prodígio e bom moço que passaria sua juventude na cadeia, enquanto não compreende, como sociedade conjunta e desacostumada (já era pra estar a esta altura), a destruição que os “20 minutos de ação”, como dito no próprio tribunal, é eterno e marcaria o resto da vida de Mila.

Dentro do tribunal, quase inteiramente, a montagem surge para alternar alguns quadros com os acontecimentos reais para que possamos finalmente entender o que ocorreu naquela noite em que a Lua esteve ofuscada. É indigesto, porque foi pensado para ser assim mesmo, com a verbalização explícita e gráfica, que desconforta o espectador. Contando ainda com as atuações da sempre excelente Charlotte Gainsbourg e Suzanne Jouannet, que interpreta Mila, que consegue trazer ao palco que nunca quis um trauma revivido - outra vez, outra vez, outra vez...

'A Acusação' é um daqueles filmes que se apropria de narrativas sociais, estampando, primeiro, a moralidade frágil de alguns e a ética ingênua de outros. Ao final, o filme é mais um retrato comum, mas não me entenda mal, essa é apenas a banalização do que há de errado na nossa sociedade – pelo menos uma delas.


Vale Ver!




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