“Aldeotas”: estreia de Gero Camilo na direção de longas é uma agridoce ciranda memorialística em prol da amizade
NOTA 8.0
Por Alan Ferreira @depoisdaquelefilme
“Aldeotas” poderia configurar uma seara confortável para a estreia do ator Gero Camilo (“Bicho de Sete Cabeças”) na direção de longas-metragens. Afinal, trata-se da adaptação da peça homônima de sua autoria, que ficou em cartaz por mais de uma década. Ou seja, o realizador conhecia como ninguém o material posto à mesa. No entanto, o que seria vantajoso por um lado, poderia representar uma perigosa armadilha na qual a linguagem teatral invadiria para além do recomendável o seu filme, tornando sua existência um tanto questionável. Só que Gero escapa dela com surpreendente destreza ao se valer dos artifícios de ambas as artes para criar uma obra lúdica e aguda na mesma medida.
A trama começa com a chegada de Levi (Camilo) ao enterro do melhor - quem sabe único - amigo Elias (Marat Descartes, de “Quando Eu Era Vivo”) na pequena cidade de Coti das Fuças. Desde os primeiros minutos o espectador já entra em contato com uma atmosfera onírica, na qual os versos do poeta que retorna para o lugar onde sua essência fora sufocada ganham ares fellinianos. A partir de então, os dois amigos (únicos atores em cena) farão uma espécie de retrospectiva dos momentos mais importantes de suas vidas, passando por sonhos, descobertas, amores e, claro, conflitos. Estes, aliás, revelam bastante sobre a repressão e os abusos praticados (inclusive pelos pais) contra figuras que não se encaixam numa lógica machista e hipócrita ainda solidificada, sobretudo, nas cidades do interior do Brasil.
Camilo chama atenção pelo domínio com o qual encontra soluções visuais – ainda mais sabendo que se trata de uma produção de baixo orçamento – para dar forma à sua narrativa. Fazendo de um galpão situado no bairro da Mooca em São Paulo a sua Cinecittá, o realizador brinca com imagens surreais, nas quais brilham também os trabalhos de Marcelo Trotta e Carla Caffé, responsáveis por fotografia e direção de arte, respectivamente. Os objetos cênicos, as luzes e os sons, nesse sentido, ajudam a construir também essa roda gigante de recordações que brotam, muitas vezes desconexas, e que se reorganizam para produzir aquele gosto de saudade após uma dolorosa despedida.
Através das instâncias memorialísticas que cria, “Aldeotas” nos relembra a importância da amizade, e o faz valorizando o simbólico. Com um texto extremamente poético, mas sem deixar de ser incisivo em questões incômodas, o début de Gero Camilo em projetos de maior fôlego cinematográfico propõe uma bonita dinâmica entre dois grandes atores, que também são amigos/colaboradores de longa data, para exaltar aqueles que, mesmo distantes, nunca deixaram de nos acompanhar, seja pela forma como influenciaram os rumos de nossas trajetórias, seja pelo mais puro e simples afeto com o qual nos agraciaram.
Vale Ver!
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