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'Armageddon Time' : sobre privilégios, preconceitos e uma bela amizade | 2022

NOTA 8.0 

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

O termo “White Savior” (Salvador Branco) tem sido muito utilizado na crítica cultural e cinematográfica para se referir a obras cuja figura da pessoa branca é descrita como libertadora num contexto de desigualdade étnica e racial. Embora em alta hoje, a discussão parte do poema “O Fardo do Homem Branco” de 1899, escrito por Rudyard Kipling, mesmo autor de “The Jungle Book", livro que deu origem ao personagem Mogli. Seu uso tinha como contexto a colonização das Filipinas, mas desde então o termo tornou-se associado principalmente aos povos originários ou afrodescendentes. Filmes de renome como ‘Um Sonho Possível’, ‘Histórias Cruzadas’ e o recém vencedor do Oscar de melhor filme, ‘Green Book’, carregam consigo essa controvérsia. ‘Armageddon Time’ tem como premissa uma amizade interracial, no entanto, diferente dos longas anteriormente citados, ao colocar o jovem branco como figura central, o diretor decide acertadamente conduzir a narrativa de modo a não pautar o debate racial, inserindo o protagonista como testemunha do sofrimento no qual seu amigo era submetido. Além disso, aborda as contradições internas, já que a família é composta de indivíduos de ascendência judaica, vítimas de injustiças e perseguições ao longo da história, porém, a despeito disso, reproduzem falas e ações que revelam uma estrutura social violenta e racista.

A trama se passa na Nova Iorque dos anos 80, onde acompanhamos a amizade entre Paul Graff e Johnny, dois jovens com realidades completamente opostas, entretanto, igualmente sonhadores. Paul quer ser artista, mas se rebela perante a resistência dos pais e a dificuldade de adaptação ao ensino escolar tradicional, enquanto Johnny enfrenta as dores de ser um rapaz negro inserido em um mundo que o condena à margem da sociedade

Dramas autobiográficos estão em alta, contudo, James Gray, que assina direção e roteiro, não está interessado na nostalgia, muito pelo contrário. Grande parte do que ‘Armageddon Time’ tem a dizer vem de observações críticas daquele começo dos anos 80, época na qual os EUA viveram uma transição radical e traumática que foi a vitória do candidato republicano Ronald Reagan, dando início ao neoliberalismo econômico e o conservadorismo nos costumes que viriam a marcar aquela década. O cineasta costuma trabalhar com grande elenco e aqui não é diferente. Anne Hathaway carrega o peso de uma mulher cheia de ambições e frustrações. Jeremy Strong tem o ímpeto do pai que quer o melhor para os filhos, mas também de quem tem na bagagem a ideia da força como forma de aprendizado. Outro aspecto interessante e muito evidente na performance dos pais é a do ressentimento típico do cidadão médio que projeta nos filhos aquilo que um dia ele almejou, esvaziando, portanto, qualquer margem para um futuro que não seja o da prosperidade financeira. A dupla mirim Michael Banks Repeta e Jaylin Webb estão ótimos e estabelecem uma química formidável. Anthony Hopkins é, sem dúvida, um dos maiores atores de todos os tempos, todavia, diferente dos demais, seu personagem tem pouco desenvolvimento, restando a ele o papel do avô carismático, conselheiro e desprovido de defeitos, quase como um alívio dentro de uma temática que exige mais consistência e menos sutileza.

Em suma, ‘Armageddon Time’ é um “Coming-of-Age” que expõe não só a perda da inocência e as dores do amadurecimento dos mais jovens, bem como de toda geração anterior que pouco aprendeu com as transformações e revoluções das últimas décadas, repetindo erros do passado e deixando a impressão de que, talvez, a humanidade historicamente pouco andou pra frente e continua num ciclo de repetição e autodestruição.


Vale Ver!




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