'O Enfermeiro da Noite': thriller Netflix vai além do serial killer para explorar o sistema que permite que os crimes aconteçam | 2022
NOTA 7.0
Por Eduardo Machado @históriadecinema
A demanda do público por conteúdo sobre “true crime” tem gerado uma enxurrada de produções, muitas das quais nem sempre tem o capricho como característica principal. São filmes, séries, programas de TV, documentários e podcasts, cujo objetivo principal é matar a sede do público por esse tipo de conteúdo e não necessariamente entregar um grande produto artístico.
Nesse sentido, quando surge notícia do lançamento pelo streaming da Netflix de “O Enfermeiro da Noite”, cujo enredo gira em torno de um enfermeiro condenado por diversos crimes cometidos silenciosamente em hospitais, o cinéfilo mais ressabiado pode pensar estar diante de mais um filme sensacionalista para avolumar o catálogo do assinante. O longa, todavia, tem méritos por justamente desviar do “serial killer” para criticar o sistema que permitiu que o criminoso existisse. A grande questão do filme não é o que aconteceu, mas as perguntas feitas são “por que isso aconteceu?”, ou melhor, “como deixaram isso acontecer?”
Dirigido pelo cineasta dinamarquês Tobias Lindholm com roteiro de Krysty Wilson-Cairns, o filme não tem como protagonista o criminoso, Charlie Cullen (Eddie Redmayne), mas a enfermeira e colega de trabalho Amy (Jessica Chastain). Uma dinâmica interessante, pois inclui no filme o drama de Amy, uma enfermeira sobrecarregada de trabalho e mal remunerada, obrigada a conviver com um problema de saúde, porque não dispõe das condições financeiras para cobrir os custos de uma cirurgia no coração.
Incluindo o drama de Amy, a roteirista ratifica seu interesse em criticar todo o sistema de saúde estadunidense, que não permite que uma enfermeira consiga ter acesso a um procedimento médico urgente e emergencial. Sem um serviço público eficaz, é fato que a população estadunidense menos abastada vive à mercê das instituições privadas.
A crítica ao sistema de saúde não está somente na sua expensividade, mas, sobretudo, às falhas que permitiram que um criminoso conseguisse cometer dezenas de homicídios com a conivência da direção dos hospitais em que trabalhava, que se interessavam tão somente em manter as suas imagens intactas. A crítica à falácia liberal de que o mercado se autorregula é bastante explícita, porém das mais bem construídas, sendo um dos grandes acertos do longa.
Dessa forma, “O Enfermeiro da Noite” consegue ser um filme que trata do macro e do micro ao mesmo tempo. Enquanto fala dos problemas pessoais de Amy e dos crimes cometidos por Charlie, joga luz sobre toda a indústria médica e a política de saúde dos Estados Unidos. Se, por um lado, é superficial quanto à investigação da personalidade de Charlie Cullen, acerta em cheio no alvo maior. Se por aqui no Brasil criticamos o SUS, é melhor pensarmos sobre o que seria viver sem ele.
Vale Ver!
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