'O Milagre' : Florence Pugh deslumbra como bastião da ciência em uma comunidade religiosa | 2022
NOTA 9.0
Por Eduardo Machado @históriadecinema
São várias as razões que podemos citar para afirmar que “O Milagre” é um dos melhores filmes de 2022. Dirigido pelo chileno Sebastian Lelio, de “Uma Mulher Fantástica”, o longa aborda fanatismo religioso, negacionismo e machismo, tudo, em tese, contrapondo-se a uma visão mais racional e científica do mundo. Tem como ser mais atual?
Com uma história de mulheres corajosas, “O Milagre” inicia com o que parece ser um set de filmagens contemporâneo. À medida que a câmera se move, ela revela o cenário do filme: uma empobrecida área rural na Irlanda do século XIX. A história em si se passa em 1862, quando uma enfermeira inglesa, Lib Wright (Florence Pugh), chega a essa pequena comunidade para investigar uma estranha ocorrência em uma casa isolada. A filha mais nova da família, Anna (Kila Lord Cassidy), está jejuando há alguns meses, mas, estranhamente, parece não haver qualquer prejuízo à sua saúde. A missão de Lib é descobrir se Anna está recebendo comida às escondidas ou se, de fato, estava diante de um verdadeiro milagre cristão.
Lib Wright é, portanto, o bastião a favor da ciência e, evidentemente, mostra-se inicialmente bastante cética com relação à possibilidade de um milagre. Entretanto, não parece ser esse o interesse dos figurões daquela cidade. Um comitê formado exclusivamente por homens, que claramente pouco se importam com a saúde da jovem Anna, apenas anseia pela possibilidade de lucrar em cima de uma possível santidade.
Adaptado por Sebastian Lelio e Alice Birch do livro homônimo escrito por Emma Donoghue (também autora de “O Quarto de Jack”), o longa desenvolve os personagens e seus conflitos com paciência e delicadeza, sorrateiramente nos deixando completamente envolvidos com eles. São personagens femininos fortes e resilientes e mesmo o universo infantil é incrivelmente bem pensado, sem tratar a criança com condescendência. Incrível é como conseguem revelar a força que os mais jovens conseguem emanar.
Tecnicamente, o filme também é um deslumbre, com uma fotografia elegante e, apropriadamente, sombria, de Ari Wegner (“Ataque dos Cães”). A sinistra trilha sonora de Matthew Herbert também contribui enormemente para o impacto do filme. Porém, nada funcionaria tão bem sem a atuação de Florence Pugh, que domina a cena desde a sua primeira aparição, não restando dúvidas de que quem quer que ouse enfrentá-la desafiará um adversário poderoso. A jovem Kila Lord Cassidy também tem atuação soberba, sabendo trabalhar a ambiguidade de seu personagem de modo singular.
Longe ser uma simples crítica ao fanatismo religioso, “O Milagre” é um filme sobre um exercício de humildade, de se colocar no lugar do outro para sobreviver. Um filme sobre o dia em que fé e ciência deixam de ser opostos. Um paradoxo que não deveria existir.
Super Vale Ver!
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