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'Bardo, Falsa Crônica de Algumas Verdades': reflexões sobre vida e carreira marcam novo filme de Alejandro Iñárritu | 2022

NOTA 6.5

Por Rafa Ferraz @issonãoéumacrítica 

A última década foi marcada por profundas mudanças para a indústria cinematográfica, principalmente do ponto de vista histórico e comercial. Os Super-Heróis dominaram as salas e expandiram a mentalidade de “universo compartilhado” a patamares nunca vistos. Também tivemos a consolidação dos serviços de streaming que, apesar de abusar do conteúdo "formulaico", abriu portas para projetos e artistas que teriam bem menos espaço se considerarmos a cultura do entretenimento em vigor. Dentre eles, cineastas fora do eixo EUA-Inglaterra foram extremamente beneficiados, afinal, é inegável que os catálogos dos serviços atuais possuem mais diversidade se comparada a qualquer locadora dos anos 90. Porém, não só estrangeiros desconhecidos tiveram oportunidade. Outro marco dos anos 2010 foi o reconhecimento do cinema de língua não inglesa de modo geral, cujo ponto mais alto foi o sucesso absoluto de 'Parasita' (2019), mas que também contou com a coroação dos mexicanos Cuarón, Iñarritu e Del Toro. Somente no Oscar, cinco das dez estatuetas foram conquistadas pelo trio. Contudo, nem só de prêmios vive a arte, e muito menos o artista. Todos foram movidos por sonhos em algum ponto da carreira e é aí que a porta aberta pelos streamings encontrou um novo caminho. Em entrevista após o lançamento de 'Roma' (2018), Alfonso Cuarón fez o seguinte questionamento: Quantos cinemas lançariam um filme mexicano em preto e branco?". Não que memórias de infância nunca tenham sido retratadas antes (Fellini e Allen que o digam), todavia, na era dos heróis de capa e uniforme, quais as chances de um acordo com visibilidade, se não na Netflix? O longa recebeu ótimo retorno da crítica, fez bonito na temporada de premiações e provavelmente foi graças a ele que hoje seu compatriota e igualmente bem-sucedido Alejandro Iñárritu tem a chance de, através das telas, oferecer um conteúdo autobiográfico e sobretudo auto-reflexivo.


Na trama acompanhamos Silverio (Daniel Giménez-Cacho), um renomado jornalista e documentarista mexicano que, apesar de prestes a receber um prestigiado prêmio nos EUA, sofre com uma grave crise existencial ao lidar com questões sobre identidade, memória e relacionamentos familiares.

A trajetória de Iñárritu é bastante diversificada, especialmente após a “trilogia da morte” composta por 'Amores Brutos' (2000), '21 Gramas' (2003) e 'Babel' (2006). A recepção de cada um foi excepcional, porém seus trabalhos seguintes abandonaram a não linearidade e a tão característica câmera tremida, aspectos que imprimiam intenso realismo e até então se apresentava como forte assinatura do diretor. A partir dali a estrutura ganhou contornos tradicionais e mesmo ‘Birdman’, o mais “diferentão” deles, embora brilhante, não foi exatamente inovador. Em ‘Bardo’ há um resgate dessa “desordem” original, no entanto, se antes o ambiente caótico era externo, aqui tem um caráter intimista, quase subconsciente, e que definitivamente não serve ao realismo. A metalinguagem está presente em todos os pontos-chave da trama e o teor surrealista lembra o chileno Jodorowsk, contudo, essas sequências, devido a uma montagem confusa, quando intercaladas com momentos de “diálogos da vida real”, destoam entre si. A estranheza visual e a densidade dos discursos tem grande valor quando separadas, todavia, como unidade, perdem força.

Escolhido para representar o México no Oscar, ‘Bardo’ tem enorme potencial de agradar a Academia, contudo é improvável que o mesmo aconteça para com o expectador casual, uma vez que boa parte das interações parecem dialogar com um público muito específico, tornando-se restritivo, autoindulgente em demasia e desnecessariamente hermético. Seria um ótimo direcionamento para uma sessão de terapia. Para um filme, nem tanto.


Vale Ver Mas Nem Tanto!




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